SINJ-DF

Legislação Correlata - Decreto 38934 de 15/03/2018

Legislação Correlata - Portaria 96 de 29/07/2014

Legislação Correlata - Portaria 115 de 16/03/2020

Parecer Referencial SEI-GDF n.º 009/2020 - PGDF/PGCONS

PROCESSO N.º 00197-00001297/2020-13

EMENTA: PARECER REFERENCIAL. ADMINISTRATIVO. DOAÇÃO DE BENS OCIOSOS. AGÊNCIA REGULADORA DE ÁGUAS, ENERGIA E SANEAMENTO BÁSICO DO DISTRITO FEDERAL. ADASA. LICITAÇÃO DISPENSADA. ART. 17, II, “A” DA LEI Nº 8.666/93. PORTARIA ADASA Nº. 96, DE 29 DE JULHO DE 2014.

1. Parecer jurídico referencial que é exarado com fundamento no art. 36, §2º da Instrução Normativa nº 05/2017, elaborada pela Secretaria de Gestão do então Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, recepcionada em âmbito local pelo Decreto distrital nº 38.934/2018, bem como no art. 7º da Portaria PGDF nº 115/2020.

2. Indicação dos requisitos necessários para a doação de bens ociosos de propriedade da ADASA para fins e uso de interesse social, nos termos do art. 17, II, “a”, da Lei 8.666/93 e Portaria ADASA nº. 96, de 29 de julho de 2014.

3. Com a emissão de parecer referencial, fica dispensado o envio do processo para exame e aprovação pela Procuradoria-Geral do Distrito Federal, ressalvada a hipótese de consulta acerca de dúvida de ordem jurídica devidamente identificada e motivada.

4. Para a utilização do parecer referencial nos casos concretos, deve a Administração Pública instruir o processo com (a) cópia integral do parecer referencial com as cotas de aprovação do Procurador-Chefe e do Procurador-Geral do Distrito Federal ou do procurador-geral adjunto; e (b) declaração da autoridade competente para a prática do ato de que a situação concreta se enquadra nos parâmetros e pressupostos do parecer referencial e que serão observadas suas orientações, conforme modelo anexo à Portaria PGDF nº 115/2020.

Exmo. Sr. Procurador-Chefe do Consultivo em Matéria Financeira, Tributária e de Licitações e Contratos,

RELATÓRIO

Versam os autos acerca de proposta de doação de bens móveis pertencentes ao patrimônio da Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento Básico do Distrito Federal – ADASA – à Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal.

A relação de bens a serem doados consta do documento de ID SEI 40528761.

A Assessoria Jurídico-Legislativa da ADASA, ao exarar a Nota Técnica N.º 71/2020 - ADASA/AJL (ID SEI 40570130), entendeu que “à vista da documentação carreada aos autos, após a devida avaliação dos bens, não se verificam óbices à doação direta de bens móveis não utilizados pela ADASA, pelo instituto da dispensa de licitação, nos termos do artigo 17, inciso II, alínea a, da Lei nº. 8.666/1993, observadas, ainda, as regras estabelecidas na Portaria nº 96/2014-ADASA”.

A Diretoria Colegiada da ADASA, em decisão de ID SEI 42013267, aprovou a constituição de comissão técnica para avaliação dos bens a serem objeto de doação à Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal - SEE/DF, tendo deliberado, ainda, pelo encaminhamento dos autos a esta PGDF, para análise e manifestação em virtude do art. 38, parágrafo único, da Lei nº 8.666/1993.

Mediante Ofício de ID SEI 42418932, o Exmo. Sr. Diretor-Presidente da ADASA encaminhou os autos a esta Procuradoria, solicitando análise e manifestação da minuta de termo de doação de ID SEI 38933821.

Consultou-nos, ainda, “acerca da possibilidade de se elaborar parecer referencial acerca do tema objeto deste processo, na forma do art. 3º, IV e art. 7º da Portaria nº 115/2020-PGDF”.

No despacho de distribuição deste processo para a emissão de manifestação, a Exma. Sra. Procuradora-Chefe em substituição consignou “que houve pedido, na consulta, de elaboração de parecer referencial sobre o tema, competindo ao eminente parecerista a análise quanto ao preenchimento dos requisitos estabelecidos no Capítulo IV da Portaria em referência para, se o caso, atendimento da referida solicitação e submissão a esta Chefia”

É o relatório.

FUNDAMENTAÇÃO

2.1 A emissão de parecer referencial

Examino, inicialmente, se a hipótese em apreço demanda a emissão de parecer jurídico referencial.

A hipótese de dispensa de envio de processo a esta Procuradoria em caso de existência de parecer jurídico referencial encontra-se prevista no art. 36 da Instrução Normativa nº 5, de 26 de maio de 2017, elaborada pela Secretaria de Gestão do então Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, que “dispõe sobre as regras e diretrizes do procedimento de contratação de serviços sob o regime de execução indireta no âmbito da Administração Pública federal direta, autárquica e fundacional”

“Art. 36. Antes do envio do processo para exame e aprovação da assessoria jurídica, nos termos do parágrafo único do art. 38 da Lei nº 8.666, de 1993, deve-se realizar uma avaliação da conformidade legal do procedimento administrativo da contratação, preferencialmente com base nas disposições previstas no Anexo I da Orientação Normativa/Seges nº 2, de 6 de junho de 2016, no que couber.

§ 1º A lista de verificação de que trata o caput deverá ser juntada aos autos do processo, com as devidas adaptações relativas ao momento do seu preenchimento.

§ 2º É dispensado o envio do processo, se houver parecer jurídico referencial exarado pelo órgão de assessoramento competente, que deverá ser anexado ao processo, ressalvada a hipótese de consulta acerca de dúvida de ordem jurídica devidamente identificada e motivada.”

Ressalte-se que a Instrução Normativa nº 5/2017 é aplicável, no que couber, às contratações de serviços, continuados ou não, no âmbito da Administração Pública Direta e Indireta do Distrito Federal, por força do Decreto distrital nº 38.934/2018.

Visando regulamentar a matéria, a Portaria nº 115, de 16 de março de 2020, que “dispõe sobre os procedimentos inerentes à atuação dos Procuradores no âmbito da atividade consultiva da Procuradoria-Geral do Distrito Federal e dá outras providências”, assim definiu o parecer referencial:

“Art. 3º Para efeitos desta Portaria, considera-se:

(...)

IV – parecer referencial: manifestação proferida por Procurador e sujeita à aprovação do Procurador-Chefe e do Procurador-Geral Adjunto ou do Procurador-Geral do Distrito Federal, que deve observar os pressupostos de fato e de direito previstos no Capítulo IV desta Portaria;”

O Capítulo IV da mencionada Portaria, disciplinou as hipóteses em que é cabível a elaboração de parecer referencial, bem como as consequências de sua emissão para as Secretarias de Estado e demais órgãos da estrutura administrativa do Distrito Federal:

“Art. 7º Fica admitida a elaboração de parecer referencial quando houver processos e expedientes administrativos recorrentes ou com caráter repetitivo em que sejam veiculadas consultas sobre questões com os mesmos pressupostos de fato e de direito para os quais seja possível estabelecer orientação jurídica uniforme que permita a verificação do atendimento das exigências legais mediante a simples conferência de atos administrativos, dados ou documentos constantes dos autos.

Parágrafo único. Também será admitida a elaboração, de ofício, de parecer referencial de forma preventiva ou antecipada quando, em virtude de alteração ou inovação normativa, o caráter repetitivo ou multiplicador da matéria puder impactar a atuação do órgão consultivo ou a celeridade dos serviços administrativos, embora ainda não esteja presente a repetição de processos e expedientes administrativos.

Art. 8º A elaboração de parecer referencial deverá observar a seguinte forma:

I - Ementa: deverá constar a expressão “PARECER REFERENCIAL” com a identificação clara e precisa do objeto da análise e indicada a possibilidade de aplicar a orientação a casos semelhantes;

II - Fundamentação: na qual serão indicadas as circunstâncias que ensejaram a sua adoção, analisadas as questões de fato e de direito e apresentada a orientação jurídica uniforme com os respectivos pressupostos de fato e de direito, os atos, as condutas e os requisitos legais e regulamentares exigidos;

III - Conclusão: na qual serão indicados os requisitos e as condições necessárias para sua utilização.

Parágrafo único. O parecer referencial deverá abordar todas as questões jurídicas pertinentes ao objeto tratado nos respectivos autos.

Art. 9º Fica dispensado o envio do processo para exame e aprovação da assessoria jurídica, se houver parecer referencial, ressalvada a hipótese de consulta acerca de dúvida de ordem jurídica devidamente identificada e motivada.

Parágrafo único. Para utilizar o parecer referencial a Administração Pública deverá instruir o processo com:

I - cópia integral do parecer referencial com as cotas de aprovação do Procurador-Chefe e do Procurador-Geral do Distrito Federal ou do procurador-geral adjunto;

II - declaração da autoridade competente para a prática do ato de que a situação concreta se enquadra nos parâmetros e pressupostos do parecer referencial e que serão observadas suas orientações, conforme modelo anexo a esta Portaria.

Art. 10. Os pareceres referenciais receberão número próprio em ordem sequencial, sem renovação anual, e serão disponibilizados no sítio eletrônico da Procuradoria-Geral do Distrito Federal.

Art. 11. Compete ao Procurador-chefe dirimir eventuais dúvidas da Administração Pública a respeito de pareceres referenciais, sem prejuízo da revisão da conclusão pelo Procurador-Geral Adjunto ou do Procurador-Geral do Distrito Federal.

Art. 12. O Procurador-Geral do Distrito Federal, o Procurador-Geral Adjunto e o Procurador-Chefe da Procuradoria-Geral do Consultivo poderão:

I - suspender a utilização de parecer referencial mediante despacho a ser comunicado aos demais órgãos e entidades da administração do Distrito Federal;

II – elaborar ou designar Procurador do Distrito Federal para elaborar novo parecer referencial na hipótese de alteração ou inovação normativa ou jurisprudencial superveniente.

Parágrafo único. O parecer referencial cancelado ou alterado mantém a numeração original, seguida da expressão “CANCELADO” ou “ALTERADO”, conforme o caso, e da data da alteração ou do cancelamento.”

Entendo que o caso se enquadra perfeitamente no art. 7º, caput, da Portaria nº 115/2020, eis que a doação de bens ociosos pela autarquia tem se mostrado fato recorrente, situações em que se mostra possível identificar pressupostos de fato e de direito comuns, para os quais é possível estabelecer orientação jurídica uniforme.

Com efeito, recentemente examinei caso muito semelhante à doação tratada nestes autos, oportunidade em que exarei o Parecer n. 373/2019 – PGDF/PGCONS[1], a denotar a viabilidade de emissão de parecer referencial, com o objetivo de propiciar maior celeridade e eficiência na tramitação de procedimentos análogos no futuro.

2.2 O escopo deste parecer referencial

A presente manifestação busca elucidar os contornos jurídicos específicos da hipótese em que a ADASA doa bens ociosos para fins e uso de interesse social.

Tal delimitação se mostra necessária tendo em vista que cada ente dotado de autonomia patrimonial e administrativa pode regulamentar a administração de seus bens patrimoniais de forma peculiar, desde que não afrontem as regras definidas no Decreto n. 16.109/1994.

Com efeito, a ADASA regulamentou a matéria na Portaria ADASA nº. 96, de 29 de julho de 2014, de forma que a presente manifestação aborda exclusivamente os requisitos previstos naquela norma.

Da mesma forma, a utilização do presente parecer referencial se mostra admissível somente nas doações de bens móveis ociosos do patrimônio da ADASA aos donatários indicados no art. 44, II, “a” da Portaria ADASA nº. 96/2014, a saber, “entidades filantrópicas sem fins lucrativos, entidades autárquicas, entidades fundacionais, integrantes dos poderes legislativos e judiciário e escolas públicas”.

2.3 A licitação dispensada e o art. 17 da Lei 8.666/93

Há que se atentar, inicialmente, para a definição de bens móveis, de cuja doação se trata a presente consulta.

Estabelece o Código Civil:

“Art. 82. São móveis os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico-social.

Art. 83. Consideram-se móveis para os efeitos legais:

I - as energias que tenham valor econômico;

II - os direitos reais sobre objetos móveis e as ações correspondentes;

III - os direitos pessoais de caráter patrimonial e respectivas ações.

Art. 84. Os materiais destinados a alguma construção, enquanto não forem empregados, conservam sua qualidade de móveis; readquirem essa qualidade os provenientes da demolição de algum prédio.”

No que diz respeito a bens públicos, assim definiu o Código Civil:

“Art. 98. São públicos os bens do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno; todos os outros são particulares, seja qual for a pessoa a que pertencerem.

Art. 99. São bens públicos:

I - os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças;

II - os de uso especial, tais como edifícios ou terrenos destinados a serviço ou estabelecimento da administração federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive os de suas autarquias;

III - os dominicais, que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades.

Parágrafo único. Não dispondo a lei em contrário, consideram-se dominicais os bens pertencentes às pessoas jurídicas de direito público a que se tenha dado estrutura de direito privado.

Art. 100. Os bens públicos de uso comum do povo e os de uso especial são inalienáveis, enquanto conservarem a sua qualificação, na forma que a lei determinar.

Art. 101. Os bens públicos dominicais podem ser alienados, observadas as exigências da lei.

Art. 102. Os bens públicos não estão sujeitos a usucapião.

Art. 103. O uso comum dos bens públicos pode ser gratuito ou retribuído, conforme for estabelecido legalmente pela entidade a cuja administração pertencerem.”

Trata-se, assim, de consulta acerca de alienação de bens públicos dominicais móveis ociosos.

Estabelece o art. 17 da Lei 8.666/93, no que interessa à presente análise:

“Art. 17.  A alienação de bens da Administração Pública, subordinada à existência de interesse público devidamente justificado, será precedida de avaliação e obedecerá às seguintes normas:

(...)

II - quando móveis, dependerá de avaliação prévia e de licitação, dispensada esta nos seguintes casos:

a) doação, permitida exclusivamente para fins e uso de interesse social, após avaliação de sua oportunidade e conveniência socioeconômica, relativamente à escolha de outra forma de alienação;”

O art. 17 da Lei 8.666/93 cuida de hipótese denominada pela doutrina de licitação dispensada, em contraste com as hipóteses de licitação dispensável, constantes no art. 24 da Lei.

Sobre o tema, leciona Lucas Rocha Furtado[2]:

“É de observar que a distinção básica entre licitação dispensada e dispensável reside no fato de que, nesta última, o administrador poderá, se assim o desejar, realizar a licitação. Nas hipóteses de licitação dispensada, o administrador não pode licitar em face de que a pessoa com quem será celebrado o contrato com a Administração já está definida em razão do próprio objeto do contrato. Na hipótese de dação em pagamento de imóvel, como mencionado, não se pode afirmar que se trata de atuação vinculada. A Administração, querendo, pode optar pela venda do dito imóvel por meio de licitação. Todavia, se decide realizar dação em pagamento, não há como ser feita a licitação. No caso de dação em pagamento, doação, investidura etc., pode-se falar que existe discricionariedade por parte do poder público em querer utilizar uma dessas modalidades de alienação ou, conforme decisão discricionária da Administração Pública, de proceder à venda do imóvel por meio de licitação. Feita e justificada a opção pela dação em pagamento, pela doação, pela investidura, pela permuta etc., não há como ser feita licitação. Estas formas de alienação de bens não admitem, pela sua natureza, procedimentos para definir quem irá receber o imóvel em doação ou em dação em pagamento. Esta é a particularidade da licitação dispensada.”

O Parecer n. 1.229/2015 – PRCON/PGDF, da lavra do Procurador do Distrito Federal Wesley Ricardo Bento[3], assim discorreu sobre a doação de bens públicos móveis:

“A nota distintiva entre as hipóteses de licitação dispensada previstas no art. 17 e as de licitação dispensável do art. 24 se assenta no fato de que, no primeiro caso, não incumbe ao administrador perquirir da conveniência em afastar o certame, pois o próprio legislador assim já o fez; no segundo, a licitação é possível, mas a lei admite que o agente público promova  a  contratação direta.

Além de tais aspectos, o parágrafo único do art. 4°, da Lei n. 8.666/93, é claro ao dispor que a contratação pelo Poder Público é sempre ato formal tomado no bojo de processo administrativo, segundo a determinação do art. 38 da Lei.

Resta perquirir, nesse cenário, se é possível a doação de bens públicos móveis, se podem ser doados sem licitação e quais os requisitos legais pertinentes. Antes, é necessário compreender o alcance da expressão ‘bens móveis’ e do contrato de doação, cujos contornos são bem estabelecidos no Código Civil.

Móveis são os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico-social, a eles equiparados, ainda, as energias que tenham valor econômico, os direitos reais sobre objetos móveis e as ações correspondentes, além dos direitos pessoais de caráter patrimonial e respectivas ações, tudo conforme prevê os artigos 82 e 83 do Código.

Já o contrato de doação, segundo se infere do art. 538, é aquele em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra. Seguindo a interpretação de Sílvio de Salvo Venosa, trata-se de contrato unilateral[4]

É fácil perceber que a Administração Pública, jungida aos princípios da legalidade e da supremacia do interesse público, não tem ampla liberdade para, desapegando-se dessas balizas, atuar imbuída de censurável prodigalidade na doação de bens públicos.

No Distrito Federal, em virtude do que determina o caput do art. 47 da LODF, aliás, somente com o advento da Lei n. 8.666/93 se tomou possível acionar-se a previsão legal para essa forma de alienação.

Deve, por isso mesmo, observar estritamente os requisitos legais, ciente de que tais bens se destinam à realização dos objetivos primordiais da Administração e, quando inservíveis hão de conduzir, como regra, à sua alienação onerosa (art. 47 da LODF).

Uma vez definido tratar-se de bens móveis e se decidido, à luz do interesse público, por sua doação, a disciplina legal remete ao art. 17, II da Lei n. 8.666/93:

(...)

Seguindo a regra, enuncia o caput do dispositivo que a alienação de bens móveis também depende de licitação pública, mas diferentemente da hipótese dos imóveis (art. 17, I,), prescinde de autorização legislativa[5] e da modalidade concorrência.

Em ambas as categorias de bens, no entanto, a Lei dispensa a licitação quando se tratar de doação, sendo a dos imóveis exclusivamente[6] para órgão ou entidade da administração pública[7], enquanto a dos móveis - como sugere o silêncio legislativo - poderia agraciar também a particulares.

Para se aperfeiçoar a doação, a própria lei indica razoavelmente os pressupostos, dentre eles: existência de interesse público devidamente justificado; prévia avaliação; fins e uso de interesse social; avaliação de sua oportunidade e conveniência socioeconômica, relativamente à escolha de outra forma de alienação.

Sobre o tema, discorre Jorge Ulisses Jacoby Fernandes[8]:

‘Com o objetivo de restringir a doação de móveis, estabeleceu a lei os seguintes requisitos para a dispensa de processo licitatório:

8.2.1. finalidade e uso

O ato donativo deverá ter por objetivo ‘fins e uso’ de interesse social. Ao estabelecer a concomitância desses dois substantivos, evidenciou o legislador ainda maior interesse restritivo. Pode ocorrer, por exemplo, que um determinado órgão decida doar móveis de escritório para uma entidade filantrópica. No caso, a finalidade da doação atenderá ao interesse social, mas a Administração deverá certificar-se de que o uso a ser dado ao bem guardará correlação com igual interesse social. É que muitas vezes a finalidade do ato não apresenta correlação com a  utilização a ser dada posteriormente, tal como ocorreria se os bens doados não fossem utilizados pela entidade exemplificada para os seus fins, mas transferidos para uso pessoal ou particular de um dos membros de sua diretoria.

(...)

Aspecto relevante diz respeito à doação de bens móveis inservíveis para a Administração, para que uma entidade, promovendo a sua alienação, os transforme em recursos. Essa possibilidade é admissível, sem laivo de dúvida, vez que o interesse social mediato poderá estar presente no uso dos recursos.

(...)

8.2.3. avaliação de sua oportunidade e conveniência socioeconômica

Antes de proceder à doação, deverá a Administração considerar outros aspectos, para decidir se deve ou não empregar outra forma de alienação.

O primeiro deles diz respeito à oportunidade, isto é ao momento, à época de fazer a doação; o segundo, refere-se à conveniência socioeconômica de realizá-la, ou seja, além de considerar o aspecto social do ato que, como visto, deverá guiar-se pelo fim e uso de interesse social, a Administração considerará também o efeito econômico’”.

Assim, embora dispensada a licitação para a doação de bens móveis exclusivamente para fins e uso de interesse social, há que ser a mesma precedida de expressa avaliação de sua oportunidade e conveniência socioeconômica, relativamente à escolha de outra forma de alienação.

Deverá, assim, a Administração produzir motivação em que, no exercício de seu juízo de discricionariedade, justifique que a doação dos bens móveis ociosos atende a finalidade e uso de interesse social, demonstrando ser essa preferível, no caso concreto sob exame, a outra espécie de alienação, tal como, por exemplo, a realização de licitação na modalidade leilão para alienação dos bens ociosos a particulares (hipótese examinada por esta PGDF nos Pareceres 612/2019 – PGCONS/PGDF, 1073/2018 – PRCON/PGDF, 929/2018 – PRCON/PGDF, 585/2018 – PRCON/PGDF, dentre outros).

2.4 A Portaria ADASA nº. 96, de 29 de julho de 2014

Não obstante a disciplina da administração dos bens patrimoniais do Distrito Federal pelo Decreto n. 16.109/1994, sendo a ADASA uma “autarquia em regime especial com personalidade Jurídica de direito público, dotada de autonomia patrimonial, administrativa e financeira” (art. 1º da Lei n. 3365/2004), detêm a agência competência para a edição de atos normativos para gerir seu patrimônio, nos limites conferidos pela legislação.

Em exercício dessa competência, foi editada a Portaria ADASA nº. 96, de 29 de julho de 2014[9], que “estabelece os procedimentos referentes à administração de bens patrimoniais, a serem observados no âmbito da Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento Básico do Distrito Federal – ADASA e dá outras providências”.

Dispõe a Portaria:

“Art. 40 O bem móvel caracterizado, nos termos do artigo 8º, como de recuperação antieconômica, inservível ou ocioso, e quanto a este, desde que não haja possibilidade redistribuição a outra UAD, será recolhido, para fins de alienação, junto ao Setor Responsável pelo Patrimônio.”

Assim conceituou-se o bem ocioso:

“Art. 8º Quanto a situação patrimonial, um bem é classificado como:

(...)

II – ocioso, quando, embora esteja em perfeitas condições, não está sendo usado;

(...)”

A regra do art. 44 da Portaria em questão em muito se assemelha ao comando normativo do art. 17, II da Lei 8.666/93:

"Art. 44 A alienação de bens da ADASA, subordinada à existência de interesse público devidamente justiçado e de manifestação prévia da Superintendência de Administração e Finanças – SAF, será precedida de avaliação e obedecerá às seguintes normas:

(...)

II – quando móveis, dependerá de avaliação prévia e de licitação, dispensada esta nos seguintes casos:

a) doação, permitida exclusivamente para fins e uso de interesse social (entidades filantrópicas sem fins lucrativos, entidades autárquicas, entidades fundacionais, integrantes dos poderes legislativos e judiciário e escolas públicas), após avaliação de sua oportunidade e conveniência socioeconômica, relativamente à escolha de outra forma de alienação, não devendo acarretar quaisquer ônus para a ADASA;

(...)

Parágrafo único - Para efeito do disposto neste artigo, será constituída, por ato do Diretor Presidente da ADASA, comissão técnica, composta por pelo menos três membros, com a atribuição de promover a avaliação dos bens patrimoniais, na forma da legislação vigente.”

2.5 Síntese dos requisitos para a doação de bens ociosos da ADASA para fins e uso de interesse social

Em síntese, portanto, são esses os requisitos para a doação de bens móveis ociosos, sem a necessidade de realização de licitação prévia, com fundamento no art. 17, II, “a” da Lei n. 8.666/93:

a) indicação de que os bens estão ociosos, nos termos da definição constante do art. 8º, II da Portaria ADASA nº. 96/2014;

b) justificativa de que a doação dos bens tem finalidade e uso de interesse social;

c) identificação do donatário, que deverá ser entidade filantrópica sem fins lucrativos, entidade autárquica, entidade fundacional, integrante dos poderes legislativo e judiciário ou escola pública, de acordo com o art. 44, II, “a” da Portaria ADASA nº. 96/2014;

d) avaliação do valor patrimonial dos bens a serem doados, pela comissão técnica designada nos termos do art. 44, parágrafo único da Portaria ADASA nº. 96/2014;

e) avaliação da oportunidade e conveniência socioeconômica, em comparação a outra eventual forma de alienação;

f) ausência de ônus ou encargo à ADASA;

2.6 Termo de doação

A doação, por ser ato formal, deverá ser celebrada por meio de instrumento, que poderá seguir os termos da minuta de ID SEI 38933821, adotando-se as seguintes alterações:

i) Deverá ser incluída a correta qualificação do donatário, sendo que no caso de destinação dos bens a escolas públicas, o donatário é o Distrito Federal, por meio de sua Secretaria de Estado de Educação.

ii) Sugerimos a inclusão de cláusula com os dados do procedimento e fundamentação legal para a doação, com a seguinte redação, renumerando as cláusulas que a seguem:

“CLÁUSULA SEGUNDA - DO PROCEDIMENTO

A presente doação, tratada no Processo SEI-GDF nº XXX, tem por fundamento o art. 17, II, “a”, da Lei nº 8.666/93, arts. 8, “II”, 40, e 44, II, “a” da Portaria ADASA nº. 96, de 29 de julho de 2014, adotando-se as diretrizes constantes do Parecer Referencial nº 009/2020 – PGCONS/PGDF.”

iii) Na Cláusula Quinta (“Do Foro”), substituir a expressão “Termo e Doação” por “Termo de Doação”

CONCLUSÃO

Ante o exposto, apontamos, s.m.j., os requisitos a serem observados nos autos de cada procedimento administrativo em que se processará a doação de bens ociosos de propriedade da ADASA para fins e uso de interesse social, nos termos do art. 17, II, “a”, da Lei 8.666/93 e Portaria ADASA nº. 96, de 29 de julho de 2014:

a) indicação de que os bens estão ociosos, nos termos da definição constante do art. 8º, II da Portaria ADASA nº. 96/2014;

b) justificativa de que a doação dos bens tem finalidade e uso de interesse social;

c) identificação do donatário, que deverá ser entidade filantrópica sem fins lucrativos, entidade autárquica, entidade fundacional, integrante dos poderes legislativo e judiciário ou escola pública, de acordo com o art. 44, II, “a” da Portaria ADASA nº. 96/2014;

d) avaliação do valor patrimonial dos bens a serem doados, pela comissão técnica designada nos termos do art. 44, parágrafo único da Portaria ADASA nº. 96/2014;

e) avaliação da oportunidade e conveniência socioeconômica, em comparação a outra eventual forma de alienação;

f) ausência de ônus ou encargo à ADASA;

Para a formalização da doação poderá ser adotada a Minuta de ID SEI 38933821, desde que adotadas as alterações recomendadas no bojo deste opinativo.

Com a emissão do presente parecer referencial, fica dispensado o envio do processo para exame e aprovação pela Procuradoria-Geral do Distrito Federal, ressalvada a hipótese de consulta acerca de dúvida de ordem jurídica devidamente identificada e motivada.

Para a utilização do parecer referencial nos casos concretos, deve a Administração Pública instruir o processo com:

(1) cópia integral deste parecer referencial com as cotas de aprovação do Procurador-Chefe e do Procurador-Geral do Distrito Federal ou do Procurador-Geral Adjunto; e

(2) declaração da autoridade competente para a prática do ato de que a situação concreta se enquadra nos parâmetros e pressupostos do parecer referencial e que serão observadas suas orientações, conforme modelo anexo à Portaria PGDF nº 115/2020.

À elevada consideração superior.

Brasília, 22 de julho de 2020

ALEXANDRE MORAES PEREIRA

Procurador do Distrito Federal

OAB/DF 22.078

[1] http://parecer.pg.df.gov.br/arquivo/PGCONS/2019/PGCONS.0373.2019SEI.pdf

[2] FURTADO, Lucas Rocha. Curso de Licitações e Contratos Administrativos. Belo Horizonte: Fórum, 2019, pp. 148-149

[3] http://parecer.pg.df.gov.br/arquivo/PRCON/2015/PRCON.1229.2015.pdf

[4] Contratos que, quando de sua formação, só geram obrigações para uma das partes.

[5] O Prof. Marçal Justen Filho defende que essa regra é excepcionada nos casos de alienação de controle em sociedades de economia mista, empresa pública ou fundação pública, com esteio no fato de que, ‘a configuração da entidade derivou, nessas hipóteses, de comando legal (por imposição da CF, art. 37, XIX). Sendo assim, o desfazimento da situação subordina-se a idêntico procedimento. Seja pelo princípio da similaridade, seja pelo princípio da legalidade, deve exigir-se autorização legal’. (Comentários à Lei de Licitações e Contratos, 13° ed., Dialética, São Paulo, 2009, p. 232)

[6] Exceto na hipótese de programas habitacionais ou de regularização fundiária e alienação gratuita, aforamento, concessão de direito real de uso, locação ou permissão de uso de bens imóveis de uso comercial de âmbito local com área de até 250 metros quadrados e inseridos no âmbito de programas de regularização fundiária de interesse social desenvolvidos por órgãos ou entidade da administração pública

[7] Conforme a definição do art. 6°, XI, da Lei n. 8.666/93, XI: administração direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, abrangendo inclusive as entidades com personalidade jurídica de direito privado sob controle do poder público e das fundações por ele instituídas ou mantidas

[8] FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Contratação Direta sem Licitação, 4°ed., São Paulo, pp. 200/201.

[9] http://www.adasa.df.gov.br/images/stories/anexos/8Legislacao/NormasOrg/Portaria96_2014.pdf

Cota - PGDF/PGCONS/CHEFIA

PROCESSO N°: 00197-00001297/2020-13

MATÉRIA: Administrativo

APROVO O PARECER REFERENCIAL N° 009/2020 - PGCONS/PGDF, exarado pelo ilustre Procurador do Distrito Federal Alexandre Moraes Pereira.

Quanto à minuta ofertada, faço ainda os seguintes acréscimos:

- inserir a fraseologia anticorrupção: Havendo irregularidades neste instrumento, entre em contato com a Ouvidoria de Combate à Corrupção, no telefone 0800-6449060, em observância ao Decreto nº 34.031/2012;

- na Cláusula Primeira,  atentar para a correção do vocábulo negritado: "O presente Termo tem por objeto a doação dos bens móveis avaliados como bens com estado de conservação “ocioso”...";

- na Cláusula Segunda, da mesma forma, alterar a redação conforme proposto: "A doação de bens descritos no Anexo Único importará na transferência integral à DONATÁRIA de todos os ônus a eles relacionados, eximindo a DOADORA de qualquer responsabilidade ou obrigação pretérita,..." ;

- incluir no texto exigência de que os bens doados sejam utilizados para os fins de interesse social que fundamentam a doação.

Ressalto, ainda, que a autoridade administrativa deverá zelar pela correta condução do processo administrativo submetido a exame, sendo de sua inteira responsabilidade a observância às normas legais de regência e às recomendações constantes do opinativo.

Destaco que o órgão consulente deve promover as alterações recomendadas no opinativo, ou esclarecer, de forma motivada, a razão pela qual entenda não deva realizar a alteração, produzindo a minuta-padrão definitiva, a qual deverá ser juntada aos autos. Uma vez produzida a versão definitiva, os autos devem retornar a esta PGDF para ciência e registro no sistema de consultas de pareceres referenciais.

Brasília, 10 de setembro de 2020

FABÍOLA DE MORAES TRAVASSOS

Procuradora-Chefe

De acordo.

Encaminhe-se cópia do opinativo à Biblioteca Jurídica Onofre Gontijo Mendes desta PGDF, para disponibilização no sistema de consultas de pareceres referenciais desta Casa Jurídica, bem como no Sistema Integrado de Normas Jurídicas - SINJ-DF.

Restituam-se os autos à Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento Básico do Distrito Federal - ADASA-DF, para conhecimento e providências.

Brasília, 10 de setembro de 2020

GABRIEL ABBAD SILVEIRA

Procurador-Geral Adjunto do Consultivo em substituição

Este texto não substitui o publicado no PR nº 9 de 22/07/2020