19/11/2003
PRAZO DECADENCIAL. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO RETROATIVA.
ADMINISTRATIVO. ANISTIA DE SERVIDOR PÚBLICO (LEI 8.878/94). ANULAÇÃO. PRAZO
DECADENCIAL (ART. 54 DA LEI 9.784/99). IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO RETROATIVA. DECADÊNCIA INEXISTENTE.
1. Nas relações de serviço público, vigia a regra segundo a qual cabia à Administração, a qualquer tempo, rever os atos administrativos eivados de ilegalidade (art. 114, da Lei 8.112, de 1990). Sobrevindo o art. 54 da Lei 9.784, de 29.01.1999, fixou-se, para tanto, o prazo de "cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé".
2. Questiona-se a aplicação do prazo da lei nova à anulação de atos praticados anteriormente a sua vigência. Aqui também, como ocorre normalmente nas demais situações de direito intertemporal, aplica-se o princípio de sobredireito, decorrente da Constituição, segundo o qual a lei nova deve resguardar de seu campo de incidência o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada (CF, art. 5º, XXXVI).
3. No que se refere especificamente a prazos decadenciais (isto é, prazos para exercício do direito, sob pena de caducidade), admitir-se a aplicação do novo regime normativo (que reduz prazo) sobre período de tempo já passado, para alcançar atos anteriores à lei, significa, na prática, eliminar, com efeito retroativo, a possibilidade de exercício do direito, o que é o mesmo que eliminar, retroativamente, o próprio direito.
4. Portanto, a regra que decorre dos princípios constitucionais para a solução da questão de direito intertemporal em matéria de contagem de prazo de prescrição e decadência é a seguinte: se lei nova fixa um prazo, que antes era indeterminado, ou reduz o prazo anteriormente em vigor, esse novo prazo começará a correr da data da nova lei, salvo se a decadência ou a prescrição iniciada na vigência da lei antiga vier a se completar em menos tempo, segundo essa lei, que, nesse caso, continuaria a regê-la. É a lição clássica da doutrina e da jurisprudência do STF (RE 37.223, Min. Luiz Gallotti, julgado em 10.07.58; AR 905/DF, Min. Moreira Alves, DJ RE 93.110/RJ, Min. Xavier de Albuquerque, julgado em 05.11.80; AR 1.025-6/PR, Min. Xavier de Albuquerque, DJ de 13.03.81).
5. No caso dos autos, sendo o ato que deferiu o pedido de anistia de 26.12.1994 (Portaria 1.785) — anterior, portanto, à Lei 9.784/99 —, o prazo qüinqüenal para sua anulação tem seu termo a quo na data da entrada em vigor da referida Lei —09.01.1999, vindo esgotar-se apenas em 29.01.2004. Tempestiva, assim, a anulação levada a cabo pela Portaria Interministerial 325, em 22.07.2002.
6. Mesmo que se considerasse aplicável retroativamente a nova lei, ainda assim, no caso, não estaria configurada a decadência. É que a Administração, antes de passados cinco anos da prática do ato tido por nulo, desencadeou as diligências próprias para efetivar a sua anulação: em fevereiro de 1995 foi instaurado inquérito civil pelo Ministério Público (Portaria 01/95), provocadas pelo qual foram constituídas, no mesmo ano, e passaram a funcionar, "Comissões Especiais de Revisão dos Processos de Anistia", nos termos dos Decretos 1.498/95 e 1.499/95, oportunidade em que se determinou também a suspensão da execução dos atos concessivos de anistia. Assim, há de se considerar como exercido o direito na data em que foi desencadeado o respectivo procedimento administrativo para a anulação do ato, conforme, aliás, estabelece o § 2º do art. 54 da Lei 9.784/99.
7. À falta do requisito da verossimilhança, indefere-se a medida liminar.
MS Nº 8506-DF (2002/0081912-6) - STJ Relator: Min. TEORI ALBINO ZAVASCKI
Publicação: DJ de 25.08.2003.