28/08/2008
PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR DE SERVIDORES PÚBLICOS
A Reforma Previdenciária aprovada no início do governo Lula apresentou avanços na harmonização das regras entre servidores públicos e trabalhadores da iniciativa privada referentes à fórmula de cálculo da aposentadoria e seu mecanismo de indexação. Ainda que haja muitas regras de transição, as normas permanentes para os funcionários públicos, tais como no INSS, calculam o benefício de aposentadoria pela média dos salários de contribuição e corrigem as pensões anualmente pela inflação.
Falta ainda criar e regulamentar a previdência complementar dos servidores públicos. A União e o Estado do Rio Grande do Sul encaminharam aos respectivos legislativos, no segundo semestre de 2007, projetos de lei que instituem regime de previdência complementar para seus funcionários.
A previdência complementar não afetará todos os servidores, mas somente aqueles que vierem a ingressar no serviço público após sua instituição e que recebam acima do teto do INSS, hoje em R$ 3.039 por mês.
Apesar de haver possibilidade de adesão dos atuais servidores, as experiências internacionais indicam baixa filiação. Os EUA, por exemplo, passaram por experiência semelhante nos anos 80 e somente 2% dos antigos servidores optaram por ingressar no regime de previdência complementar.
O valor do teto do INSS supera em 2,5 vezes a média salarial das pessoas ocupadas conforme calculada pelo IBGE. Não se trata, portanto, de política que afete as camadas mais necessitadas da população, mas sim um decisivo passo em direção à harmonização de regras previdenciárias entre os estratos mais altos de renda do setor público e privado.
Hoje um trabalhador do setor privado tem sua aposentadoria paga pelo INSS limitada ao teto de R$ 3.039, valor que não se aplica aos servidores. Dados do Ministério do Planejamento indicam que os aposentados do Legislativo, Judiciário e Ministério Público da União recebem em média mais de R$ 13 mil mensais. No Executivo, a aposentadoria média é inferior, mas um terço dos aposentados recebem acima do teto.
A tributação brasileira se baseia no consumo, e os pobres acabam financiando a previdência de uma parcela da classe média
No setor privado, alguém pode receber aposentadoria de valor elevado, mas dividida em duas partes. A pensão básica é paga pelo INSS, mas o restante se recebe pela previdência complementar, fruto do esforço de poupança individual em conjunto com seu ex-empregador. A lógica previdenciária é que os benefícios para as faixas de renda mais altas não devem onerar os cofres públicos. O objetivo de um sistema público de previdência é duplo: retirar pessoas em idade avançada da pobreza e repor renda até um patamar compatível com o nível salarial médio do país. É legítimo que pessoas de maior renda queiram também ter pensões elevadas, mas isso deve resultar da poupança formada a partir de suas contribuições junto com o empregador.
A previdência complementar servirá como um instrumento para atenuar as desigualdades, dado que a previdência no serviço público compromete mais de 2% do PIB para cobertura do seu déficit. O caráter regressivo não reside somente no fato de a sociedade alocar impostos para o pagamento de pensões mais altas. Como a tributação brasileira, e especialmente nos Estados, muito se baseia no consumo, a incidência recai majoritariamente sobre os mais pobres. Esses impostos pagos pelos pobres acabam por financiar a previdência de uma parcela da classe média.
A previdência complementar será capitalizada, ou seja, os benefícios se pagarão com base na poupança acumulada, e não na tributação da sociedade. O traço em comum com a experiência chilena dos anos 80 finda aqui. Novos servidores terão sua aposentadoria até o teto do INSS garantida pelo orçamento público. Somente o que excede esse valor será capitalizado e em contribuição definida. A vantagem da contribuição definida é que cada participante receberá, acrescido dos juros, exatamente o montante que aportou em conjunto com o empregador. Com isso, o orçamento público não arca com os riscos associados à longevidade dos participantes e à rentabilidade do patrimônio. O servidor assume os riscos para a parcela do salário que excede o teto do INSS, mas se beneficia das contribuições que o ente público colocará em sua conta, que serão em igual quantia àquelas por ele realizadas respeitado o limite de 7,5%.
Trata-se, portanto, de uma política de ajuste fiscal a longo prazo porque livra o orçamento público do ônus do pagamento das aposentadorias de maior valor. Os benefícios da previdência complementar não se pagarão com recursos oriundos da tributação. Há de contrapor, porém, o custo de transição decorrente da perda de arrecadação sobre o salário além do teto e do pagamento da contribuição estatal para a previdência complementar. Entretanto, o custo de curto prazo se compensará pelo benefício de longo prazo. Se, por um lado, deixar de fazer a complementação previdenciária atenua o custo no presente, por outro lado implicará a manutenção do atual regime com contas cada vez maiores a se pagar no futuro.
A existência de uma única entidade de previdência complementar para servidores de um mesmo ente da federação é vital para aproveitamento de economia de escala e escopo. Elevados custos fixos associados à administração, contratação de diretoria executiva e sistemas de informática implicam maior eficiência caso se agrupem todos os servidores em um só fundo. A unicidade também se justifica pela garantia de tratamento isonômico entre os servidores.
Outro benefício da previdência complementar é a separação entre a política previdenciária e de pessoal. O vínculo entre salários e aposentadorias impede política competitiva de atração de pessoas ao serviço público devido aos impactos sobre a folha de inativos e pensionistas.
A atitude míope de menosprezar os ganhos de equidade e ajuste nas contas governamentais no longo prazo, e de contabilizar somente o custo de transição e a eventual perda de um grupo de servidores públicos, implicará ajuste mais drástico e súbito no futuro, assim como abortará mais uma medida do conjunto das reformas necessárias ao país.
Marcelo Abi-Ramia Caetano é economista do Ipea. Email: m_abiramia@yahoo.com.br
Valor Econômico