08/10/2009
STF - INFORMATIVO DE JURISPRUDÊNCIA Nº 561 - EXCERTOS SELECIONADOS PELA 4ª ICE
Concurso Público e Vagas Destinadas à Concorrência Específica - 1
Por reconhecer o direito líquido e certo do recorrente à nomeação em concurso público, a Turma proveu recurso ordinário em mandado de segurança para desconstituir ato do Ministro de Estado da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, que nomeara indevidamente candidato aprovado em vaga reservada a portador de deficiência (concorrência específica) naquela destinada à concorrência ampla. No caso, o concurso público fora realizado de forma regionalizada e estruturado em duas turmas distintas de formação. Em ambas havia a previsão de que, para cada especialidade ou área, seriam reservados 5% das vagas aos portadores de necessidades especiais. Assim, destacaram-se, respectivamente, uma vaga para o primeiro curso e três para o segundo. A soma dos candidatos convocados para as turmas atingiram o número total de vagas disponíveis à época. Ocorre que, ao convocar 4 candidatos inscritos para as vagas de concorrência específica, a autoridade coatora teria extrapolado a quantidade legalmente reservada (3 vagas).
RMS 25666/DF, rel. Min. Joaquim Barbosa, 29.9.2009. (RMS-25666)
Concurso Público e Vagas Destinadas à Concorrência Específica - 2
Aduziu-se, inicialmente, que, nos termos do art. 37, VIII, da CF, a reserva de vagas para concorrência específica de portadores de deficiência é requisito de validade para a realização de concurso público para a investidura em cargo ou emprego públicos. Nesse sentido, destacou-se que, consoante o disposto no art. 8º, § 2º, da Lei 8.112/90, 5% a 20% das vagas disponíveis devem ser reservadas à concorrência específica, em contraposição à ampla concorrência. Evidenciou-se, na espécie, a peculiaridade do certame, na medida em que as vagas oferecidas no concurso foram cindidas de acordo com cada turma de curso de formação que viesse a ser estipulado pelos responsáveis pelo processo seletivo. Ressaltou-se que, independentemente da quantidade de fases e da forma como elas venham a ser estruturadas, cada processo para preenchimento de cargos ou empregos públicos se revela uno e único e que o ponto de partida para o certame sempre será a existência de vagas ou a previsão de abertura de vagas relacionadas a cargo ou emprego públicos. Salientou-se que o concurso público em tela fora organizado de modo a dividir os candidatos aprovados em duas turmas do curso de formação e que o edital também alocara as vagas disponíveis de acordo com a cidade de lotação, de forma que os candidatos também deveriam optar pela localidade em que disponível a vaga no ato de inscrição.
RMS 25666/DF, rel. Min. Joaquim Barbosa, 29.9.2009. (RMS-25666)
Concurso Público e Vagas Destinadas à Concorrência Específica - 3
Frisou-se que a base de cálculo dos limites de vagas destinadas à específica concorrência corresponderia ao número total de vagas disponíveis para cada especialidade. Destarte, asseverou-se que particularidades da estrutura do concurso que não afetem o número total de vagas disponíveis para cada nicho de concorrência não influirão na quantidade de vagas reservadas. Enfatizou-se que, na situação em exame, o deslocamento temporal entre as turmas do curso de formação nada dissera sobre a quantidade total de vagas a que concorriam os candidatos. Por conseguinte, assentou-se que o estabelecimento do número de vagas destinadas à específica concorrência — em função da quantidade de turmas do curso de formação — outorga à Administração a possibilidade de estabelecer, por vias oblíquas, os limites entre concorrência ampla e concorrência específica. Destacou-se que isso fica ainda mais nítido quando observado que a relação entre o total de vagas disponíveis e as vagas destinadas à específica concorrência é alterada mesmo com o número total de vagas permanecendo estático. Em sentido semelhante, mencionou-se que a proporção efetiva é modificada sem alteração do percentual de reserva estabelecido no início do certame.
RMS 25666/DF, rel. Min. Joaquim Barbosa, 29.9.2009. (RMS-25666)
TCU - Trânsito em Julgado - Oponibilidade - Princípio da Segurança Jurídica (Transcrições)
MS 28150 - MC/DF*
RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO
EMENTA: DECISÃO JUDICIAL TRANSITADA EM JULGADO. INTEGRAL OPONIBILIDADE DESSE ATO ESTATAL AO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. CONSEQÜENTE IMPOSSIBILIDADE DE DESCONSTITUIÇÃO, NA VIA ADMINISTRATIVA, DA AUTORIDADE DA COISA JULGADA. EXISTÊNCIA, AINDA, NO CASO, DE OUTRO FUNDAMENTO CONSTITUCIONALMENTE RELEVANTE: O PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA. A BOA-FÉ E A PROTEÇÃO DA CONFIANÇA COMO PROJEÇÕES ESPECÍFICAS DO POSTULADO DA SEGURANÇA JURÍDICA. MAGISTÉRIO DA DOUTRINA. SITUAÇÃO DE FATO – JÁ CONSOLIDADA NO PASSADO – QUE DEVE SER MANTIDA EM RESPEITO À BOA-FÉ E À CONFIANÇA DO ADMINISTRADO, INCLUSIVE DO SERVIDOR PÚBLICO. NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO, EM TAL CONTEXTO, DAS SITUAÇÕES CONSTITUÍDAS NO ÂMBITO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. PRECEDENTES. DELIBERAÇÃO DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO QUE IMPLICA SUPRESSÃO DE PARCELA DOS PROVENTOS DO SERVIDOR PÚBLICO. CARÁTER ESSENCIALMENTE ALIMENTAR DO ESTIPÊNDIO FUNCIONAL. PRECEDENTES. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA.
- O Tribunal de Contas da União não dispõe, constitucionalmente, de poder para rever decisão judicial transitada em julgado (RTJ 193/556-557) nem para determinar a suspensão de benefícios garantidos por sentença revestida da autoridade da coisa julgada (RTJ 194/594), ainda que o direito reconhecido pelo Poder Judiciário não tenha o beneplácito da jurisprudência prevalecente no âmbito do Supremo Tribunal Federal, pois a “res judicata” em matéria civil só pode ser legitimamente desconstituída mediante ação rescisória. Precedentes.
- Os postulados da segurança jurídica, da boa-fé objetiva e da proteção da confiança, enquanto expressões do Estado Democrático de Direito, mostram-se impregnados de elevado conteúdo ético, social e jurídico, projetando-se sobre as relações jurídicas, mesmo as de direito público (RTJ 191/922, Rel. p/ o acórdão Min. GILMAR MENDES), em ordem a viabilizar a incidência desses mesmos princípios sobre comportamentos de qualquer dos Poderes ou órgãos do Estado (os Tribunais de Contas, inclusive), para que se preservem, desse modo, situações administrativas já consolidadas no passado.
- A fluência de longo período de tempo culmina por consolidar justas expectativas no espírito do administrado e, também, por incutir, nele, a confiança da plena regularidade dos atos estatais praticados, não se justificando – ante a aparência de direito que legitimamente resulta de tais circunstâncias – a ruptura abrupta da situação de estabilidade em que se mantinham, até então, as relações de direito público entre o agente estatal, de um lado, e o Poder Público, de outro. Doutrina. Precedentes.
DECISÃO: Trata-se de mandado de segurança, com pedido de liminar, impetrado com o objetivo de questionar a validade jurídica de deliberação emanada da 2ª Câmara do E. Tribunal de Contas da União consubstanciada no Acórdão nº 1.591/2007 - mantido pelo Acórdão nº 1.024/2009 e pelo Acórdão nº 3.270/2009 -, em julgamento que considerou “(...) ilegal a incidência de adicional de tempo de serviço sobre toda a remuneração, ainda que atribuído por sentença judicial anterior à edição da Lei 8.112/90” (fls. 28).
Embora concedida, em 25/06/1996 (fls. 78), a aposentadoria à impetrante, o E. Tribunal de Contas da União somente veio a apreciar-lhe a legalidade em 19/06/2007 (fls. 31), ou seja, quase 11 (onze) anos após o deferimento administrativo de tal benefício.
Passo a examinar a postulação cautelar ora deduzida na presente sede mandamental. E, ao fazê-lo, entendo, em juízo de estrita delibação, que se reveste de plausibilidade jurídica a pretensão que a ora impetrante formulou nesta sede processual.
A análise da questão versada no presente “writ” revela que um dos fundamentos em que se apóia a pretensão mandamental em exame tem o beneplácito da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que, em diversos casos, tem reconhecido, quer em decisões monocráticas, quer em julgamentos colegiados, ser integralmente oponível, ao E. Tribunal de Contas da União, a autoridade da coisa julgada, cuja eficácia subordinante, desse modo, não poderá ser transgredida por qualquer órgão estatal, inclusive pela própria Corte de Contas (MS 23.758/RJ, Rel. Min. MOREIRA ALVES - MS 24.529-MC/DF, Rel. Min. EROS GRAU - MS 24.569-MC/DF, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - MS 24.939-MC/DF, Rel. Min. CARLOS BRITTO - MS 25.460/DF, Rel. Min. CARLOS VELLOSO - MS 26.086/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO - MS 26.088-MC/DF, Rel. Min. GILMAR MENDES - MS 26.132-MC/DF, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - MS 26.156-MC/DF, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA - MS 26.186-MC/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO - MS 26.228-MC/DF, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - MS 26.271-MC/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO - MS 26.387/DF, Rel. Min. EROS GRAU - MS 26.408/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO - MS 26.443-MC/MA, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA - MS 27.374-MC/DF, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI - MS 27.551-MC/DF, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI - MS 27.575-MC/DF, Rel. Min. ELLEN GRACIE - MS 27.649/DF, Rel. Min. CEZAR PELUSO - MS 27.732-MC/DF, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, v.g.):
“MANDADO DE SEGURANÇA. TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. APOSENTADORIA. REGISTRO. VANTAGEM DEFERIDA POR SENTENÇA TRANSITADA EM JULGADO. DISSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. DETERMINAÇÃO À AUTORIDADE ADMINISTRATIVA PARA SUSPENDER O PAGAMENTO DA PARCELA. IMPOSSIBILIDADE.
1. Vantagem pecuniária incluída nos proventos de aposentadoria de servidor público federal, por força de decisão judicial transitada em julgado. Impossibilidade de o Tribunal de Contas da União impor à autoridade administrativa sujeita à sua fiscalização a suspensão do respectivo pagamento. Ato que se afasta da competência reservada à Corte de Contas (CF, artigo 71, III).
2. Ainda que contrário à pacífica jurisprudência desta Corte, o reconhecimento de direito coberto pelo manto da ‘res judicata’ somente pode ser desconstituído pela via da ação rescisória.
Segurança concedida.”
(MS 23.665/DF, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA, Pleno - grifei)
Vê-se, pois, que o E. Tribunal de Contas da União não dispõe, constitucionalmente, de poder para rever decisão judicial transitada em julgado (RTJ 193/556-557, Rel. Min. CARLOS VELLOSO), nem para determinar a suspensão de benefícios garantidos por sentença impregnada da autoridade da coisa julgada (AI 471.430-AgR/DF, Rel. Min. EROS GRAU), ainda que o direito reconhecido pelo Poder Judiciário não tenha o beneplácito da jurisprudência prevalecente no âmbito do Supremo Tribunal Federal, pois a “res judicata” em matéria civil só pode ser legitimamente desconstituída mediante ação rescisória:
“CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL. MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO. SERVIDOR PÚBLICO: VANTAGEM DEFERIDA POR SENTENÇA JUDICIAL TRANSITADA EM JULGADO. TRIBUNAL DE CONTAS: DETERMINAÇÃO NO SENTIDO DA EXCLUSÃO DA VANTAGEM. COISA JULGADA: OFENSA. CF, art. 5º, XXXVI.
.......................................................
II. - Vantagem pecuniária, incorporada aos proventos de aposentadoria de servidor público, por força de decisão judicial transitada em julgado: não pode o Tribunal de Contas, em caso assim, determinar a supressão de tal vantagem, por isso que a situação jurídica coberta pela coisa julgada somente pode ser modificada pela via da ação rescisória.
III. - Precedentes do Supremo Tribunal Federal.
IV. - (...) Mandado de Segurança conhecido e deferido relativamente ao servidor atingido pela decisão do TCU.”
(RTJ 194/594, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, Pleno - grifei)
Há, também, nesta impetração, outro fundamento que me parece relevante e que se apóia no princípio da segurança jurídica, considerado o decurso, na espécie, de quase 11 (onze) anos entre o ato concessivo da aposentadoria (25/06/1996 - fls. 78) e a decisão do Tribunal de Contas da União (19/06/2007 - fls. 31), que considerou “(...) ilegal o ato de aposentadoria da Requerente, em virtude da percepção da Gratificação Adicional por Tempo de Serviço sobre o total de sua remuneração” (fls. 03).
A fluência de tão longo período de tempo culmina por consolidar justas expectativas no espírito do administrado, servidor aposentado, e, também, por incutir, nele, a confiança da plena regularidade dos atos estatais praticados, não se justificando – ante a aparência de direito que legitimamente resulta de tais circunstâncias – a ruptura abrupta da situação de estabilidade em que se mantinham, até então, as relações de direito público entre o agente estatal, de um lado, e o Poder Público, de outro.
Cumpre observar, neste ponto, que esse entendimento – que reconhece que o decurso do tempo pode constituir, ainda que excepcionalmente, fator de legitimação e de estabilização de determinadas situações jurídicas – encontra apoio no magistério da doutrina (ALMIRO DO COUTO E SILVA, “Princípios da Legalidade e da Administração Pública e da Segurança Jurídica no Estado de Direito Contemporâneo”, “in” RDP 84/46-63; WEIDA ZANCANER, “Da Convalidação e da Invalidação dos Atos Administrativos”, p. 73/76, item n. 3.5.2, 3ª ed., 2008, Malheiros; HELY LOPES MEIRELLES, “Direito Administrativo Brasileiro”, p. 99/101, item n. 2.3.7, 34ª ed., atualizada por Eurico de Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho, 2008, Malheiros; CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, “Curso de Direito Administrativo”, p. 87, item n. 77, e p. 123/125, item n. 27, 26ª ed., 2009, Malheiros; MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO, “Direito Administrativo”, p. 87/88, item n. 3.3.15.4, 22ª ed., 2009, Atlas; MARÇAL JUSTEN FILHO, “Curso de Direito Administrativo”, p. 1.097/1.100, itens ns. XVII.1 a XVII.3.1, 4ª ed., 2009, Saraiva; GUSTAVO BINENBOJM, “Temas de Direito Administrativo e Constitucional”, p. 735/740, itens ns. II.2.2 a II. 2.2.2, 2008, Renovar; RAQUEL MELO URBANO DE CARVALHO, “Curso de Direito Administrativo”, p. 78/94, itens ns. 8 a 8.4, 2008, Podium; LÚCIA VALLE FIGUEIREDO, “Curso de Direito Administrativo”, p. 257/260, itens ns. 3.2 a 4, 9ª ed., 2008, Malheiros; MATEUS EDUARDO SIQUEIRA NUNES BERTONCINI, “Princípios de Direito Administrativo Brasileiro”, p. 178/180, item n. 4.5.7, 2002, Malheiros; SÉRGIO FERRAZ, “O princípio da segurança jurídica em face das reformas constitucionais”, “in” Revista Forense, vol. 334/191-210; RICARDO LOBO TORRES, “A Segurança Jurídica e as Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar”, p. 429/445, “in” “Princípios e Limites da Tributação”, coordenação de Roberto Ferraz, 2005, Quartier Latin, v.g.).
A essencialidade do postulado da segurança jurídica e a necessidade de se respeitarem situações consolidadas no tempo, amparadas pela boa-fé do cidadão (seja ele servidor público, ou não), representam fatores a que o Judiciário não pode ficar alheio, como resulta da jurisprudência que se formou no Supremo Tribunal Federal:
“Ato administrativo. Seu tardio desfazimento, já criada situação de fato e de direito, que o tempo consolidou. Circunstância excepcional a aconselhar a inalterabilidade da situação decorrente do deferimento da liminar, daí a participação no concurso público, com aprovação, posse e exercício.”
(RTJ 83/921, Rel. Min. BILAC PINTO - grifei)
Essa orientação jurisprudencial (RTJ 119/1170), por sua vez, vem de ser reafirmada, por esta Suprema Corte, em sucessivos julgamentos:
“Mandado de Segurança. 2. Acórdão do Tribunal de Contas da União. Prestação de Contas da Empresa Brasileira de Infra-estrutura Aeroportuária - INFRAERO. Emprego Público. Regularização de admissões. 3. Contratações realizadas em conformidade com a legislação vigente à época. Admissões realizadas por processo seletivo sem concurso público, validadas por decisão administrativa e acórdão anterior do TCU. 4. Transcurso de mais de dez anos desde a concessão da liminar no mandado de segurança. 5. Obrigatoriedade da observância do princípio da segurança jurídica enquanto subprincípio do Estado de Direito. Necessidade de estabilidade das situações criadas administrativamente. 6. Princípio da confiança como elemento do princípio da segurança jurídica. Presença de um componente de ética jurídica e sua aplicação nas relações jurídicas de direito público. 7. Concurso de circunstâncias específicas e excepcionais que revelam: a boa-fé dos impetrantes; a realização de processo seletivo rigoroso; a observância do regulamento da Infraero, vigente à época da realização do processo seletivo; a existência de controvérsia, à época das contratações, quanto à exigência, nos termos do art. 37 da Constituição, de concurso público no âmbito das empresas públicas e sociedades de economia mista. 8. Circunstâncias que, aliadas ao longo período de tempo transcorrido, afastam a alegada nulidade das contratações dos impetrantes. 9. Mandado de Segurança deferido.”
(RTJ 192/620-621, Rel. Min. GILMAR MENDES - grifei)
“1. LEGITIMIDADE. Passiva. Mandado de segurança. Autoridade tida por coatora. Pensão previdenciária. Cancelamento. Ato determinado em acórdão do Tribunal de Contas da União. Legitimação passiva exclusiva deste. Execução por parte do Gerente Regional de Administração do Ministério da Fazenda. Irrelevância.
Autoridade tida por coatora, para efeito de mandado de segurança, é a pessoa que, ‘in statu assertionis’, ordena a prática do ato, não o subordinado que, em obediência, se limita a executar-lhe a ordem.
2. MANDADO DE SEGURANÇA. Pensão previdenciária. Cancelamento. Ato determinado em acórdão do Tribunal de Contas da União. Conhecimento pelo interessado que não participou do processo. Data da ciência real, não da publicação oficial. Ação ajuizada dentro do prazo. Decadência não consumada. Preliminar repelida. Precedentes. No processo administrativo do Tribunal de Contas da União, em que a pessoa prejudicada pela decisão não foi convidada a defender-se, conta-se o prazo para ajuizamento de mandado de segurança a partir da ciência real do ato decisório, não de sua publicação no órgão oficial.
3. SERVIDOR PÚBLICO. Vencimentos. Pensão previdenciária. Pagamentos reiterados à companheira. Situação jurídica aparente e consolidada. Cancelamento pelo Tribunal de Contas da União, sem audiência prévia da pensionista interessada. Procedimento administrativo nulo. Decisão ineficaz. Inobservância do contraditório e da ampla defesa. Violação de direito líquido e certo. Mandado de segurança concedido. Ofensa ao art. 5º, LIV e LV, da CF. Precedentes. É nula a decisão do Tribunal de Contas da União que, sem audiência prévia da pensionista interessada, a quem não assegurou o exercício pleno dos poderes do contraditório e da ampla defesa, lhe cancelou pensão previdenciária que há muitos anos vinha sendo paga.”
(MS 24.927/RO, Rel. Min. CEZAR PELUSO - grifei)
Na realidade, os postulados da segurança jurídica, da boa-fé objetiva e da proteção da confiança, enquanto expressões do Estado Democrático de Direito, mostram-se impregnados de elevado conteúdo ético, social e jurídico, projetando-se sobre as relações jurídicas, mesmo as de direito público (RTJ 191/922, Rel. p/ o acórdão Min. GILMAR MENDES), em ordem a viabilizar a incidência desses mesmos princípios sobre comportamentos de qualquer dos Poderes ou órgãos do Estado (os Tribunais de Contas, inclusive), para que se preservem, desse modo, situações administrativas já consolidadas no passado.
É importante referir, neste ponto, em face de sua extrema pertinência, a aguda observação de J. J. GOMES CANOTILHO (“Direito Constitucional e Teoria da Constituição”, p. 250, 1998, Almedina):
“Estes dois princípios - segurança jurídica e protecção da confiança - andam estreitamente associados a ponto de alguns autores considerarem o princípio da protecção de confiança como um subprincípio ou como uma dimensão específica da segurança jurídica. Em geral, considera-se que a segurança jurídica está conexionada com elementos objectivos da ordem jurídica - garantia de estabilidade jurídica, segurança de orientação e realização do direito - enquanto a protecção da confiança se prende mais com as componentes subjectivas da segurança, designadamente a calculabilidade e previsibilidade dos indivíduos em relação aos efeitos jurídicos dos actos dos poderes públicos. A segurança e a protecção da confiança exigem, no fundo: (1) fiabilidade, clareza, racionalidade e transparência dos actos do poder; (2) de forma que em relação a eles o cidadão veja garantida a segurança nas suas disposições pessoais e nos efeitos jurídicos dos seus próprios actos. Deduz-se já que os postulados da segurança jurídica e da protecção da confiança são exigíveis perante ‘qualquer acto’ de ‘qualquer poder’ - legislativo, executivo e judicial.” (grifei)
As lições da doutrina e da jurisprudência constitucional desta Suprema Corte (MS 26.363/DF, Rel. Min. MARCO AURÉLIO - MS 26.405/DF, Rel. Min. CEZAR PELUSO - MS 26.718-MC/DF, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA - MS 27.962-MC/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.) revelam-se suficientes ao reconhecimento, ao menos em juízo de estrita delibação, de que a pretensão cautelar ora deduzida nesta sede processual reveste-se de plausibilidade jurídica.
Cabe assinalar, por relevante, que também concorre, na espécie, o pressuposto legitimador concernente ao “periculum in mora” (fls. 20/22).
Não se ignora que os valores percebidos por servidores públicos (ativos e inativos) e pensionistas revestem-se de caráter alimentar (HELY LOPES MEIRELLES, “Direito Administrativo Brasileiro”, p. 491, item n. 5.4.3, 34ª ed., atualizada por Eurico de Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho, 2008, Malheiros). Essa especial natureza jurídica, que caracteriza o estipêndio funcional (vencimentos e proventos) e as pensões, permite, por isso mesmo, qualificá-los como típicas dívidas de valor.
É, também, por essa razão que concedo a medida cautelar ora postulada, pois é importante ter em consideração, para esse efeito, o caráter essencialmente alimentar das pensões e dos vencimentos e proventos funcionais dos servidores públicos (ativos e inativos), na linha do que tem sido iterativamente proclamado pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (RTJ 110/709 - RTJ 117/1335), inclusive por aquela que se formou sob a égide do vigente ordenamento constitucional (RTJ 136/1351 - RTJ 139/364-368 - RTJ 139/1009 - RTJ 141/319 - RTJ 142/942).
A ponderação dos valores em conflito - o interesse da Administração Pública, de um lado, e a necessidade social de preservar a integridade do caráter alimentar que tipifica o valor das pensões e dos estipêndios, de outro - leva-me a vislumbrar ocorrente, na espécie, uma clara situação de grave risco a que estará exposta a parte ora impetrante, privada de valores essenciais à sua própria subsistência.
Sendo assim, em juízo de estrita delibação, e sem prejuízo de ulterior reexame da pretensão mandamental deduzida na presente sede processual, defiro o pedido de medida liminar, em ordem a determinar, até final julgamento desta ação de mandado de segurança, na linha de anteriores decisões minhas (MS 27.962-MC/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.), em relação, unicamente, a Edite Feltrin Nassif dos Anjos, a suspensão cautelar da eficácia das deliberações proferidas pelo E. Tribunal de Contas da União consubstanciadas nos Acórdãos nºs 1.591/2007, 1.024/2009 e 3.270/2009, todos emanados da colenda Segunda Câmara do TCU.
Transmita-se, com urgência, cópia desta decisão à Presidência do E. Tribunal de Contas da União, bem assim à Presidência do E. Tribunal Regional Eleitoral do Estado de Santa Catarina.
2. Ouça-se a douta Procuradoria-Geral da República.
Publique-se.
Brasília, 08 de setembro de 2009.
Ministro CELSO DE MELLO
RELATOR
* decisão publicada no DJE de 17.9.2009
STF