27/01/2010
RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO MILITAR. CURSO DE FORMAÇÃO. MATRÍCULA POR FORÇA DE LIMINAR. MÉRITO JULGADO IMPROCEDENTE. MANUTENÇÃO NA ACADEMIA, INGRESSO E PROMOÇÃO NA CARREIRA POR ATOS DA ADMINISTRAÇÃO POSTERIORES À CASSAÇÃO DA DECISÃO JUDICIAL. TRANSCURSO DE MAIS DE CINCO ANOS. ANULAÇÃO. SEGURANÇA JURÍDICA E BOA-FÉ OBJETIVA VULNERADOS. VEDAÇÃO AO COMPORTAMENTO CONTRADITÓRIO. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. CONSTATAÇÃO DE QUE O CANDIDATO PREENCHIA O REQUISITO CUJA SUPOSTA AUSÊNCIA IMPEDIRA SUA ADMISSÃO NO CURSO DE FORMAÇÃO. ATENDIMENTO AOS PRESSUPOSTOS LEGAIS E CONSTITUCIONAIS PARA INGRESSO E EXERCÍCIO DO CARGO DE OFICIAL DA POLÍCIA MILITAR.
1. Os princípios da segurança jurídica e da boa-fé objetiva, bem como a vedação ao comportamento contraditório (venire contra factum proprium), impedem que a Administração, após praticar atos em determinado sentido, que criaram uma aparência de estabilidade das relações jurídicas, venha adotar atos na direção contrária, com a vulneração de direito que, em razão da anterior conduta administrativa e do longo período de tempo transcorrido, já se acreditava incorporado ao patrimônio dos administrados.
2. À luz dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, verifica-se que o Recorrente, em sentido material, preenchia os requisitos editalícios para admissão no Curso de Formação, inclusive aquele cuja ausência formal constituíra obstáculo inicial à sua matrícula e que ensejou o ajuizamento da ação judicial em cujo bojo obteve a liminar.
3. Hipótese em que, embora a liminar que autorizara a matrícula do Recorrente no Curso de Formação tivesse sido cassada, expressamente, em 18 de fevereiro de 1997 e não houvesse nenhum outro título judicial que determinasse sua permanência na carreira militar, não tomou a Administração nenhuma atitude no sentido de afastá-lo. Pelo contrário, além de permanecer matriculado até a conclusão do Curso de Formação, findada em 05 de dezembro de 1997, ingressou na carreira e, ainda, foi promovido, em 05 de outubro de 1998, à patente de 2º Tenente, vindo a ser anulados esses atos tão-somente em 21 de maio de 2002.
4. A ausência de atos administrativos tendentes a excluir o Recorrente das fileiras militares após a cassação da liminar, corroborada pela existência de atos em sentido contrário (manutenção no Curso, promoção), além da instauração de processo administrativo, pela Academia de Polícia Militar, de ofício, para tornar definitiva a matrícula que fora efetivada, inicialmente, em razão de liminar, fez criar uma certeza de que a questão do seu ingresso na carreira militar estava resolvida.
5. Os atos de admissão e promoção do Recorrente praticados pela Administração, bem como o longo tempo em que eles vigoraram, indicavam, dentro da perspectiva da boa-fé, que o seu ingresso na carreira militar já havia se incorporado, definitivamente, ao seu patrimônio jurídico, pelo que sua anulação, com base em fato anterior à prática dos atos anulados (cassação da liminar), feriram os princípios da segurança jurídica e da boa-fé objetiva, tendo sido infringida a cláusula venire contra factum proprium ou da vedação ao comportamento contraditório.
6. Hipótese concreta que não cuida da aplicação da teoria do fato consumado para convalidar ato ilegal, o que é rechaçado por esta Corte, mas de fazê-la incidir, juntamente com os princípios da segurança jurídica e boa-fé, para tornar sem efeito atos praticados com ofensa aos princípios constitucionais da legalidade, razoabilidade e proporcionalidade.
7. Recurso ordinário provido para conceder a segurança e anular o ato que cassou a promoção do Recorrente à patente de 1º Tenente, bem como o ato que determinou sua exclusão dos quadros da Polícia Militar, determinando seu imediato retorno à função ocupada, com todos os consectários jurídico-financeiros dele decorrentes.
STJ - RMS 20572/DF - RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA 2005/0143093-7
Relatora: Ministra LAURITA VAZ
Órgão Julgador: QUINTA TURMA
Data da Publicação/Fonte: DJe de 15/12/2009