29/06/2009
O FATOR PREVIDENCIÁRIO
Ao longo dos diversos anos nos quais tenho me dedicado a escrever e a debater sobre temas da Previdência, desde a realização da reforma implementada no governo Fernando Henrique Cardoso (FHC) tenho me deparado com frequência com leitores revoltados com o fator previdenciário, aprovado na reforma do segundo governo FHC. Sendo um defensor daquela reforma, estou convencido de que boa parte das críticas decorre de uma dificuldade das autoridades (do governo anterior e do atual) de explicar a lógica do citado fator.
Faço, antes de abordar o tema em maior profundidade, um esclarecimento. Tenho recebido diversos e-mails de pessoas que se queixam da mudança de regras implementada nos anos 80, que levam essas pessoas a alegar a ocorrência de perdas importantes das suas aposentadorias em relação ao valor da contribuição feita. Embora muitas vezes haja um problema de mensuração (por exemplo, indivíduos que se queixam de ganhar "menos salários mínimos", simplesmente porque o salário mínimo aumentou) em várias oportunidades fui obrigado a concordar com o leitor que ele tinha razão nas suas queixas. Há três pontos, porém, que precisam ficar claros: a) com o passar do tempo, por definição, isso tende a afetar um universo proporcionalmente menor de pessoas: quem se aposentou no começo dos anos 80 tem todas as razões para reclamar, mas no caso de quem se aposentou recentemente, aquela perda associada às contribuições feitas nos anos 70 e parte dos 80 foi muito menor; b) essa crítica nada tem a ver com o fator previdenciário: a perda iria se verificar, qualquer que fosse a regra atual, pelo fato de ter havido uma mudança do teto de referência há mais de 20 anos; e c) para quem se julga especificamente prejudicado, há sempre o caminho da Justiça. O que estamos discutindo aqui não são casos particulares e sim a regra geral. E é à regra geral do fator previdenciário que passo a me referir agora.
A legislação aprovada no governo FHC definiu que, para quem se aposenta por tempo de contribuição (TC), a aposentadoria resulta da multiplicação dos 80% maiores salários de contribuição desde julho de 1994, pelo fator previdenciário. Este, por sua vez, resulta de uma fórmula complexa, que combina a idade, o tempo contributivo e a expectativa de sobrevida no momento da aposentadoria. A tabela ajuda a avaliar melhor a questão.
Em última instância, o fator nada mais é que um número de uma matriz, onde de um lado se tem a idade de aposentadoria e, de outro, o número de anos de contribuição. Por exemplo, um homem que tenha começado a contribuir aos 18 anos e se aposente aos 58 anos, com 40 anos de contribuição, terá um fator previdenciário de 0,94, ou seja, a média dos 80% maiores salários de contribuição será multiplicada por 0,94 (desconto de 6% sobre a média contributiva). Observe-se que: i) embora o fato de o número ser inferior à unidade induza a julgar que há uma "perda", ele se aplica a uma média que "engorda" a maioria das vezes a média real total, pelo fato de eliminar as 20% piores contribuições, o que aumenta a aposentadoria em relação ao seu valor atuarialmente "correto"; e b) em outros casos, o fator previdenciário pode ser maior que a unidade.
O fator implica uma redução expressiva, é verdade, nos casos de aposentadorias muito precoces. Porém, pensemos no seguinte. Qual é a expectativa de sobrevida de quem chega, por exemplo, aos 55 anos? Na média de ambos os sexos, no Brasil, é de mais 25 anos, ou seja, a pessoa espera viver até os 80 anos. O fator previdenciário de uma mulher que tenha começado a contribuir aos 20 anos e se aposenta aos 55 anos é de 0,84. Já o de outra mulher que, tendo começado nas mesmas circunstâncias, aos 20 anos e espere mais 5 anos, para se aposentar aos 60 anos, é de 1,15. A lógica disso não é difícil de entender: quem se aposenta aos 55 anos teoricamente, em média, vai usufruir a aposentadoria durante 25 anos, enquanto que, aos 60 anos, restam 21 anos para receber o benefício (aos 60 anos, a expectativa de sobrevida é ligeiramente maior que aos 55). Assim, o valor "acumulado" no primeiro caso é "dividido" por um número maior de anos, daí resultando uma aposentadoria menor. Já quem se aposenta mais tarde e contribui por mais tempo, é premiado, no limite, recebendo um benefício maior do que a média do salário de contribuição.
A aposentadoria antecipada não é uma exclusividade brasileira. De fato, em outros países as pessoas podem se antecipar antes da idade limite, porém a) nunca antes dos 60 anos, em geral; e b) com uma perda grande. Um caso típico é, por exemplo, o de um país onde só se pode usufruir o benefício com pelo menos 61 anos, com 8% de desconto por ano em relação ao limite de 65 anos. Assim, quem se aposenta aos 61 anos recebe 68 % da aposentadoria - o que equivale a um fator de 0,68 - que receberia se esperasse mais quatro anos. Já no Brasil, um homem que tenha começado a trabalhar aos 18 anos e se aposente com 60 anos, tem um fator previdenciário de 1,07 e, com 61 anos, de 1,14.
Em resumo, o fator previdenciário estabelece o princípio de que aquele que contribui por mais tempo e se aposenta mais tarde, vai ter uma aposentadoria maior. Creio que é um princípio justo, que deveria ser preservado.
Fabio Giambiagi, economista, co-organizador do livro "Economia Brasileira Contemporânea: 1945/2004" (Editora Campus), escreve mensalmente às segundas-feiras.
Valor Econômico