29/07/2009
FUNDO CONSTITUCIONAL TERÁ REAJUSTE DE APENAS 1%
O efeito da menor correção nos repasses da União para o DF é claro: governo apertará o cinto em 2010. Transferência chegará a R$ 7,6 bi
Será de apenas 1,066% a correção do Fundo Constitucional do Distrito Federal para 2010. O cálculo foi concluído pela Secretaria de Planejamento e Gestão, com base em dados oficiais da Secretaria da Receita Federal sobre a arrecadação da União nos últimos 12 meses. A conta confirmou a previsão do Executivo local, segundo o qual o reajuste dos repasses para as áreas de saúde, segurança e educação ficaria entre 0,5% e 2% no próximo ano, de longe o pior da história. Como consequência, o governo de José Roberto Arruda (DEM) terá de apertar ainda mais as contas para evitar problemas com investimentos e custeio da máquina administrativa. Novas negociações de reajustes salariais serão mais difíceis.
A arrecadação federal caiu em consequência da crise econômica mundial. A arrecadação dos cofres públicos da União que se leva em conta para efeito de cálculo do Fundo Constitucional do Distrito Federal foi justamente a registrada na fase de maior turbulência internacional, entre julho de 2008 e junho de 2009. A temporada mais crítica ocorreu a partir de setembro do ano passado, quando o banco de investimentos Lehman Brothers quebrou nos Estados Unidos. Nesta semana, o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, declarou que o país já saiu da crise.
Segundo o secretário de Planejamento, Ricardo Penna, mesmo assim, os reflexos da turbulência mundial serão sentidos na transferência de recursos para o Distrito Federal. “A crise derrubou a correção do Fundo”, analisa. O percentual de reajuste dos repasses para 2010 leva em conta a variação da receita corrente líquida da União entre julho de 2008 e junho de 2009. Por isso, o índice está bem abaixo dos ocorridos desde 2002, quando uma lei federal institucionalizou as transferências. Em 2008, segundo ano do governo de José Roberto Arruda, havia sido registrado o pior desempenho do Fundo (8,82%). Em 2004, na gestão anterior, de Joaquim Roriz, o aumento foi o mais alto. Chegou a 18,45%.
A correção do Fundo Constitucional de 2009 havia batido um recorde histórico, ao atingir o percentual de 18,89%. Mas um recálculo da equipe econômica do governo federal derrubou o índice para 15,4%. Na prática, essa revisão significou R$ 238 milhões a menos nos cofres do DF. O dinheiro começou a ser abatido em julho e será descontado até dezembro, em seis parcelas de R$ 40 milhões. A correção de 2010 dará, em valores absolutos, um aumento de R$ 80 milhões, um terço da diferença debitada pelo Tesouro Nacional nos repasses deste ano.
As transferências, então, ficarão abaixo do que o governo do Distrito Federal previa para 2009. A estimativa inicial era de que o Fundo Constitucional chegaria a R$ 7,8 bilhões. Em 2010, atingirá R$ 7,6 bilhões. “Esse índice (1,066%) não corresponde nem mesmo ao crescimento vegetativo da folha de pagamentos, que é de cerca de 2,5%”, explicou Penna. O índice baixo preocupa o governo porque ocorrerá justamente em ano eleitoral, quando as campanhas estarão a todo vapor e as categorias de servidores públicos entram em negociações. Neste ano, o GDF enfrentou uma crise com os professores por conta da vinculação do reajuste salarial dos servidores à correção do Fundo para 2009. Depois de longa negociação e um período de paralisações, houve acordo.
Transbordo
No início de 2009, Arruda anunciou que a crise financeira mundial impediria o início de novas obras. No próximo ano, para cobrir a parte que cabe ao GDF no custeio das áreas de saúde, segurança e educação, o Executivo terá de reduzir investimentos previstos ou cortar ainda mais gastos públicos, como ocorreu principalmente no primeiro ano da atual administração. O chamado transbordo, valor que sai dos cofres públicos para custear as três áreas, chegou a R$ 2,5 bilhões neste ano e poderá aumentar consideravelmente em 2010. O GDF ainda não sabe quanto gastará a mais.
Em agosto, o GDF deverá encaminhar à Câmara Legislativa o Projeto de Lei Orçamentária para 2010, com todas as previsões de gastos e receitas. Uma das fontes esperadas, o financiamento do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT), no valor de 134 milhões de euros, ou seja, R$ 400 milhões, ainda depende de muitos acertos. Em viagem a Paris, no fim de junho, Arruda conseguiu o aval da Agência Francesa de Desenvolvimento (AFD), que vai financiar os recursos. Mas a liberação do dinheiro depende ainda de uma negociação com o Ministério da Fazenda, iniciada ontem.
A boa notícia é que um financiamento de US$ 60 milhões, o equivalente a R$ 120 milhões, com a Corporação Andina de Fomento (CAF), deverá ser liberado em breve. O contrato já foi aprovado pelo Senado, última etapa antes da assinatura do contrato, e será aplicado na reestruturação do sistema de drenagem de água da chuva no Plano Piloto e em Taguatinga e na recuperação de áreas degradadas do DF.
CRISE MUNDIAL
A quebra do Lehman Brothers, fundado no século 19, e apontado como o segundo maior banco de investimentos dos Estados Unidos, provocou uma turbulência internacional e levou ao maior pânico já visto em Wall Street e nas bolsas de valores do mundo inteiro. A instituição quebrou como reflexo da crise no mercado imobiliário americano e levou em cascata insegurança a outros bancos e investidores.
O que diz a lei
A Lei nº 10.633/02, que criou o Fundo Constitucional do Distrito Federal, estabelece que a União deve custear a organização e manutenção da Polícia Civil, Militar e do Corpo de Bombeiros do DF, além de dar assistência financeira para a execução dos serviços de saúde e educação. No caso dessas duas áreas, o GDF contribuiu com aporte de recursos para salários, custeio e investimentos. O dinheiro transferido pelo Fundo toma como parâmetro o primeiro repasse estabelecido pela lei, no valor de R$ 2,9 bilhões. Esse foi o montante encaminhado em 2002, e o valor é corrigido todos os anos tendo como base o reajuste da receita corrente líquida da União durante os 12 meses anteriores.
O reajuste do Fundo Constitucional de 2010 levará em consideração a variação da arrecadação federal entre julho de 2008 e junho de 2009. O dinheiro é transferido em 12 parcelas iguais, os chamados duodécimos, sempre até o quinto dia útil de cada mês. Por conta da total vinculação com o orçamento federal, os aumentos salariais na área de segurança pública precisam ser submetidos à lei aprovada pelo Congresso e sancionada pelo Presidente da República. Em alguns casos, o Palácio do Planalto envia à Câmara dos Deputados uma Medida Provisória com a autorização do reajuste salarial.
Memória
Dependência e negociação
Desde a inauguração de Brasília, sempre houve uma dependência financeira da capital do país em relação ao governo federal por conta da deficiência de arrecadação própria do DF. Também se levava em consideração que a cidade hospeda os poderes da República e as representações diplomáticas e, por isso, precisa ter garantidos recursos na área de segurança pública. Até 1998, a União tinha obrigação de custear apenas as despesas das forças policiais, mas tradicionalmente pagava também as contas das serviços de saúde e educação. O valor dos repasses eram definidos com base em negociações feitas todos os anos pela bancada de deputados e senadores do Distrito Federal no Congresso, de acordo com emendas orçamentárias e a boa vontade do Palácio do Planalto.
Depois disso, havia uma nova negociação do Executivo local com o Ministério da Fazenda. Por não ser um repasse obrigatório, havia sempre atrasos na liberação mensal, articulações políticas e uma relação de dependência política do governador com o presidente da República. Em 1998, o Congresso aprovou a Emenda Constitucional nº 19, que criou um fundo para garantir as transferências de recursos. Mas o fundo só foi regulamentado com a sanção da Lei nº 10.633/02, na última semana do governo Fernando Henrique Cardoso. Foi uma grande vitória política para o Distrito Federal. Hoje, apenas uma nova emenda constitucional poderia reduzir o volume de recursos ou tirar do DF o direito ao repasse da União.
Correio Braziliense