28/08/2012
ADMINISTRATIVO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. AUDITOR FISCAL DA RECEITA. DEMISSÃO/CASSAÇÃO DE APOSENTADORIA. PROVEITO PRÓPRIO E DE OUTREM EM RAZÃO DO CARGO. AUSÊNCIA DE NULIDADES NO PAD. PROVA ILÍCITA POR DERIVAÇÃO. FONTES AUTÔNOMAS. AUSÊNCIA DE PARCIALIDADE. RETIFICAÇÃO DE SANÇÃO POSSÍVEL. ORDEM DENEGADA.
1. Trata-se de Mandado de Segurança impetrado por ex-auditor-fiscal da Receita contra ato emanado pelo Ministro de Estado da Fazenda, que o demitiu após Processo Administrativo Disciplinar, em razão de o impetrante ter deixado de praticar atos de ofício e tê-los cometido em desacordo com seus deveres funcionais, proporcionando vantagem indevida para si e para outrem.
2. Embora a questão não tenha sido debatida pelas partes, foi trazida pelos eminentes pares a impossibilidade de condenar servidor público à demissão em razão de Processo Administrativo Disciplinar por fato subsumível à Lei de Improbidade Administrativa. Porém, não se aplicou administrativamente a demissão, mas sim a cassação de aposentadoria prevista no art. 127, IV, da Lei 8.112/1990.
3. Superado tal óbice, não há incompatibilidade entre o art. 20 da LIA e os arts. 127 e 132 da Lei 8.112/1990. A Constituição prevê o repúdio a atos que atentem contra os princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (CF, art. 37, caput). Não bastasse isso, as Leis Bilac Pinto e Pitombo Godoy Ilha (Leis 3.164/57 e 3.502/58) há meio século instituíram o repúdio à má utilização da máquina pública, ao estabelecerem o sequestro e a perda de bens em favor da Fazenda Pública quando adquiridos pelo servidor público por influência ou abuso de cargo ou função pública, ou de emprego em entidade autárquica, sem prejuízo da responsabilidade criminal em que tenha incorrido. Dessa forma, o repúdio axiomático à improbidade administrativa não é propriamente uma novidade no sistema.
4. A própria LIA, no art. 12, caput, dispõe que independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato. Isso quer dizer que a norma não criou um único subsistema para o combate aos atos ímprobos, e sim mais um subsistema, compatível e coordenado com os demais.
5. Tal fato é corroborado pelo disposto no art. 41, §1º, II, da CF, que dispõe que: § 1º O servidor público estável só perderá o cargo: (...) II - mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada ampla defesa.
6. A interpretação sistemática do art. 20 da LIA indica tão somente ser vedada a execução provisória de parcela das sanções previstas no art. 12 do mesmo diploma. Não se estabeleceu aí uma derrogação de todo e qualquer dispositivo presente em outra esfera que estabeleça a condenação de mesmo efeito; tampouco se quis criar lei mais benéfica ao acusado, por meio de diploma que ostensivamente buscava reprimir condutas reprováveis e outorgar eficácia ao comando constitucional previsto no art. 37, §4º - afinal, é inconcebível que uma lei redigida para coibir com maior rigor a improbidade administrativa no nosso País tenha terminado por enfraquecer sua perquirição. Precedentes do STJ e do STF.
7. A instauração do PAD não se deu com base em prova declarada ilícita (interceptação telefônica), mas em outros tantos elementos extraídos das mais de cinco mil laudas do processo (v.g., os processos administrativos fiscais conduzidos pelo acusado).
8. Se, no entanto, o órgão da persecução penal demonstrar que obteve, legitimamente, novos elementos de informação a partir de uma fonte autônoma de prova - que não guarde qualquer relação de dependência nem decorra da prova originariamente ilícita, com esta não mantendo vinculação causal -, tais dados probatórios revelar-se-ão plenamente admissíveis, porque não contaminados pela mácula da ilicitude originária (STF, RHC 90.376/RJ, Segunda Turma, Relator Min. Celso de Mello, j. 3.4.2007; cfr. Ainda APn 266/RO, Corte Especial, Rel. Ministra Eliana Calmon, DJe 20.8.2010).
9. A primeira impetração, anterior à cassação da aposentadoria, contra o prosseguimento do PAD, continha em seu bojo o teor da interceptação telefônica reputada ilícita. Denegada a ordem nas instâncias inferiores, o STJ dela conheceu por meio do Ag 1.391.920/PR (Segunda Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Dje 31.5.2011). Conheceu-se do Agravo como Recurso Especial e a ele negou-se provimento. Do voto condutor constou que o Tribunal de origem reconheceu, com base no conteúdo fático-probatório dos autos, que, por se tratar de processo cujas provas ilícitas não são as únicas constantes do processo administrativo que confirmam a conduta danosa imputada ao ora recorrente, este não tem respaldo jurídico para ser anulado, pois não lhe causa prejuízo. (...) Portanto, não sendo a prova considerada ilícita a única produzida, podendo as demais provas constantes do termo de indiciação serem reputadas suficientes à comprovação da conduta danosa imputada ao impetrante, mantenho a sentença que denegou a segurança.
10. Afirma o impetrante que uma servidora foi simultaneamente designada para secretária da comissão processante e chefe da autoridade que deu início ao PAD. A secretária não é membro da comissão porque não tem voz nem voto nas deliberações - e os precedentes referem-se sempre aos integrantes da comissão (presidente e vogais).
11. Não há prova pré-constituída de que, mesmo sem voto, a secretária haja realizado alguma ingerência sobre as deliberações da comissão, nem de que tenha afastado, na qualidade de chefe do Escor, o presidente da comissão.
12. O ex-servidor fora aposentado em atenção à ordem judicial, ao longo do processo, e demitido ao final do PAD. O ato foi ulteriormente retificado, nos termos do art. 134 da Lei 8.112/1990, que prevê: Será cassada a aposentadoria ou a disponibilidade do inativo que houver praticado, na atividade, falta punível com a demissão. Não há vício decorrente da retificação e adequação do despacho, à luz do resultado do PAD.
13. Segurança denegada.
STJ - Processo MS 16418/DF
Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN
Órgão Julgador: PRIMEIRA SEÇÃO
Data da Publicação/Fonte: DJe de 24/08/2012