Quinze anos após a concessão dos cemitérios do Distrito Federal à iniciativa privada, uma auditoria integrada do TCDF revela que ainda persistem inúmeras falhas relativas à prestação de serviços e ao cumprimento de cláusulas contratuais.
Em visita aos seis cemitérios do DF, realizada em maio de 2017, o corpo técnico do TCDF confirmou que ainda havia falhas na identificação e conservação de túmulos; problemas nos muros e cercamentos das necrópoles; falhas na construção de ossuários gerais e individuais, e de cinzários. Além disso, até hoje não existe oferta de serviços de cremação de cadáveres no DF pela concessionária que administra os cemitérios, embora o contrato de concessão estabeleça a obrigatoriedade da prestação desses serviços. Também foi constatada cobrança abusiva de juros sobre serviços com pagamento parcelado.
Serviços de cremação – A obrigatoriedade de implantação de serviço de cremação de cadáveres foi inicialmente prevista no Plano de Ação que integra o Contrato de Concessão assinado em 2002 entre o GDF e a empresa Campo da Esperança Serviços Ltda. Porém, até hoje o serviço não existe, devido a obstáculos de responsabilidade do próprio GDF. Um deles é a falta de emissão da licença ambiental pelo Instituto de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do DF – Brasília Ambiental – Ibram/DF, cujo processo administrativo tramita desde 2004.
Além disso, a área destinada à implantação do crematório está parcialmente ocupada por instalações da Secretaria de Saúde (SES/DF): trata-se de dois depósitos de materiais inservíveis e um depósito para estocagem de materiais hospitalares. No local, também estão instalados quatro quiosques, sendo três com funcionamento autorizado pelo GDF.
Juros abusivos – A auditoria constatou ainda que a taxa de juros efetiva cobrada na aquisição de jazigos por meio de parcelamento estaria além do razoável, sendo inclusive maior que a taxa anunciada pela concessionária. A empresa comunica que é possível parcelar o serviço a ser prestado em até 40 vezes a uma taxa de juros de 1,5% ao mês, porém a fiscalização detectou que a menor taxa de juros realmente cobrada é de 2,53% ao mês, e a maior taxa equivale a 3,3% mensais, para parcelamentos em até 40 vezes. A mesma constatação foi feita pela Controladoria-Geral do DF. A concessionária que administra os cemitérios alegou que publicou nova tabela de valores, com a correção das taxas. A comprovação dessa medida deverá ser feita pelo TCDF na próxima fase de monitoramento do processo.
Precariedade de muros e cercas – Durante a fiscalização dos seis cemitérios do DF, os auditores do TCDF confirmaram que não foram implantadas cercas ecológicas, salvo em um trecho do cercamento do cemitério de Brasília. Além disso, foram encontradas falhas e buracos nos muros e cercas dos cemitérios de Sobradinho, Taguatinga, Gama e Brazlândia.
Nas necrópoles do Gama e de Brazlândia, bem como em parte do cemitério de Brasília, são utilizadas cercas de arame. Essa vulnerabilidade permite, inclusive, a entrada de animais, que foram flagrados subindo e urinando nas campas nos dois primeiros cemitérios. Em relação ao cercamento, a situação mais grave foi verificada em Brazlândia, em razão de o cemitério fazer divisa com uma invasão, o que fragiliza ainda mais o controle de acesso de pessoas e animais.
Ossuários e cinzários – Outro achado da auditoria é que o quantitativo de ossuários, individuais e gerais, e cinzários previstos no contrato de concessão não foi inteiramente construído pela concessionária. Dos 2250 ossuários individuais previstos, apenas 576 foram entregues, e nenhum ossuário geral e cinzário foi formalmente recebido pela Sejus.
A Sejus afirma que os ossuários gerais construídos pela concessionária não foram aceitos por não possuírem compartimentalização, o que inviabiliza a aferição de capacidade e, consequentemente, a comparação com o previsto no Plano de Ação e, por fim, o recebimento formal. Além disso, os 2620 lóculos semiprontos destinados a ser ossuários individuais, construídos em cinco dos seis cemitérios, não foram recebidos pela pasta. A Sejus sequer conseguiu definir se eles foram construídos com a finalidade de cinzários ou ossuários individuais, uma vez que não comportam a caixa de exumação utilizada nos demais ossuários.
A Secretaria alegou que, diante da inadimplência da concessionária, foi autuado um processo com vistas à aplicação de multa no montante inicial de R$ 2,88 milhões, porém ele ainda não foi concluído.
Outros achados da auditoria revelam que permanece a insuficiência dos serviços de limpeza e conservação de túmulos; baixo índice de pavimentação das vias internas; e existência de reservatórios e caixas d’água sem proteção, o que contribui para a proliferação de insetos.
Medidas insuficientes – A persistência das falhas reveladas nas fiscalizações, além de demonstrar que o contrato de concessão de serviços cemiteriais não está sendo satisfatoriamente executado pela concessionária, evidencia o descumprimento de decisões anteriores do TCDF. Eventual penalização dos responsáveis está sendo avaliada no âmbito do Processo nº 21440/2008.
A fiscalização constatou ainda que, apesar de as irregularidades persistirem por longa data, apenas em duas ocasiões, desde o início da vigência do contrato, a atuação do órgão administrativo fiscalizador culminou em ações para aplicação de sanções contratuais: houve uma autuação de processo para apurar suposto desaparecimento de restos mortais, que resultou na aplicação de advertência à concessionária em 2016; e há o processo que trata de inadimplência contratual da concessionária, com vistas à aplicação de multa, porém ainda sem desfecho.
Contribui para esse quadro a inexistência dos critérios de avaliação de desempenho e qualidade, que não estão disciplinados no contrato de concessão. Assim, além das medidas determinadas pelo TCDF para solucionar as irregularidades apontadas, é necessário que a Sejus regulamente a sistemática de avaliação da qualidade da prestação dos serviços cemiteriais e intensifique a fiscalização desses serviços, aplicando sanções contratuais à concessionária sempre que for o caso.
Como resultado da auditoria, o TCDF determinou em maio à SEJUS e à Controladoria-Geral do DF que apresentassem, em um prazo de 90 dias, informações atualizadas sobre as medidas corretivas adotadas em face das irregularidades apontadas. Após pedidos de prorrogação de prazo, as últimas informações foram apresentadas ao Tribunal em outubro e estão sob análise do corpo técnico.
Processo 2303/2017