Situação das UTIs nos hospitais públicos do DF piorou nos últimos três anos, revela monitoramento

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O Tribunal de Contas do Distrito Federal realizou inspeção na Secretaria de Estado de Saúde para verificar a atual situação das Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) da rede pública do DF e constatou: a situação piorou, e muito, desde a última auditoria realizada. Na fiscalização, verificou-se que, de 2014 para 2017, houve diminuição da quantidade de leitos de UTI em operação no DF. O número passou de 432 para 310, ou seja, uma redução de quase 30%. E o mais preocupante: essa queda foi acompanhada de um crescimento significativo do percentual de leitos bloqueados, ou seja, que não estão sendo utilizados. Em 2014, dos 467 leitos de UTI existentes, 35 estavam bloqueados. Em 2017, de um total de 400, 90 encontravam-se indisponíveis para os pacientes em estado grave.

Para se ter uma ideia, em visita realizada ao Hospital Regional de Santa Maria, em em 18 de janeiro deste ano, os auditores relataram o fechamento total da “UTI 4”, uma ala inteira no 2º andar do HRSM. A referida ala dispõe de espaço físico e infraestrutura instalada para operar 21 leitos de UTI, mas nenhum estava em funcionamento. De acordo com o hospital, o bloqueio era devido à falta de recursos humanos. Já a SES/DF afirmava que o problema era de manutenção, num total desencontro de informações. Sobre a reativação dos leitos de UTI bloqueados em toda a rede pública, não há data prevista para reativação, o que fere o §1º do art. 3º da Lei distrital nº 5.685/2016.

Falta transparência – Nesse sentido, a inspeção realizada recentemente ressaltou a falta de transparência com os dados relacionados às Unidades de Terapia Intensiva, incluindo a falta de registro das internações fora de fluxo. Em 2010, esses registros faziam parte do relatório gerencial da Secretaria de Saúde. Em 2017, nenhum registro foi apresentado. De acordo com o Relatório de Atividade do 2º Quadrimestre de 2016 da SES/DF, os seguintes relatórios gerenciais também deixaram de ser disponibilizados: número de solicitações de UTI/mês por solicitante; número de óbitos na fila de espera; histórico de ocupação dos leitos de UTI; internação sob mandado judicial (MJ).

Falta planejamento – A própria Secretaria de Saúde reconhece que, por dia, a fila de espera por um leito de UTI varia entre 50 a 80 pacientes em média. Mas a SES/DF não possui dados consolidados para planejar a oferta desse serviço. Até o segundo quadrimestre de 2014, os relatórios gerenciais elencavam as solicitações de internação em UTI por unidade hospitalar e tipo de leito. Hoje, essas informações não estão mais disponíveis.

Falta eficiência na gestão – Um dos fatores que mais impactam significativamente no quantitativo de leitos de UTI efetivamente disponíveis à população é a presença de pacientes que poderiam ser atendidos por outros serviços hospitalares de menor complexidade. A chamada diária de alta é aquela em que o paciente permanece internado na UTI, mesmo depois de ter recebido alta médica daquele leito.

De 2014 a 2016, o GDF gastou quase R$ 70 milhões com esse tipo de diária, por ineficiência da gestão. Um desperdício de quase 20 mil diárias em UTI. As internações que geraram diária de alta ocorreram tanto em hospitais públicos da SES/DF (R$ 57,4 milhões em 15.555 diárias) quanto em hospitais particulares contratados (R$12,4 milhões em 3371 diárias). Segundo o corpo técnico do TCDF, a permanência de paciente em leito de UTI após ter recebido alta médica é indicativo de falha grave na gestão pública, que acarreta desperdício de recursos, além de sérias consequências tanto para o paciente que se encontra na fila de espera, quanto para o que está internado na UTI. “A situação do paciente aguardando leito disponível em unidade de tratamento intensivo para ter sua saúde restabelecida tende a se agravar com a demora na concessão do acesso ao tratamento, podendo, inclusive, a falta de tratamento tempestivo configurar até risco de morte”, ressalta o relatório. A permanência nas alas de unidade de tratamento intensivo é prejudicial também aos próprios pacientes que ficam expostos, sem necessidade, aos riscos de contaminação próprios de tais locais

Em setembro de 2014, o TCDF já havia determinado a regulação de leitos gerais à SES/DF (Decisão nº 4.282/2014). No entanto, até hoje a Secretaria de Saúde não adotou medidas para fazer cessar ou ao menos reduzir de forma significativa a ocorrência de diárias de alta de UTI para evitar esses danos ao erário.

Sem repasse de recursos por falta de habilitação – O Tribunal de Contas do DF também encontrou falhas nos procedimentos de credenciamento, habilitação e qualificação de leitos de UTI. Para que os leitos de UTI estejam aptos a receber repasses de recursos do Governo Federal, é preciso credenciá-los junto ao Ministério da Saúde. No DF, quase metade dos leitos não está em conformidade com as exigências do MS. Dos 407 leitos de UTI existentes na rede pública do Distrito Federal, 179 não estão habilitados. Um dos destaques é o Hospital de Base de Brasília, onde apenas um terço do total de leitos de UTI estaria recebendo repasse de recursos para seu custeio. No HBDF, das 82 UTIs informadas, 53 não estão habilitadas. No Hospital de Santa Maria, 50 das 100 estão sem habilitação. No Hospital de Samambaia, todos 20 leitos de UTI estão sem habilitação.

Entre os problemas enfrentados pela SES/DF para habilitar os leitos de UTI estão:
* inadequação da rede hidráulica e elétrica,
*espaço físico limitado,
*necessidade de aquisição de equipamentos,
* ausência de contratação de manutenção preventiva e corretiva dos equipamentos,
* dificuldade de contratação de pessoal para cobertura das escalas de serviço das diversas especialidades,
* atraso na entrega da documentação solicitada ao Hospital no ato da vistoria,
* demora na elaboração e conclusão de Planos de Ação pelos superintendentes.

Determinações – No dia 10 de agosto, ao analisar o relatório da inspeção, o TCDF determinou por meio da Decisão 3872/2017 (vide abaixo) que, em até 60 dias, a Secretaria de Saúde tome uma série de providências para corrigir as irregularidades encontradas.

DECISÃO Nº 3872/2017 – O Tribunal, por unanimidade, de acordo com o voto do Relator, decidiu: I – determinar à Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal que, no prazo de 60 (sessenta) dias, adote as medidas a seguir indicadas, dando conhecimento ao Tribunal, de forma conclusiva, no mesmo prazo, das providências adotadas e do resultado alcançado para: a) fazer publicar, de forma transparente, a data de previsão da liberação de leitos de UTI fora de atividade, sempre que tal excepcionalidade ocorrer, em conformidade com a Lei distrital nº 5.685/2016, que dispõe sobre a transparência de leitos de UTI no DF; b) restabelecer os relatórios gerenciais seguintes: Número de solicitações de UTI/mês por solicitante; Número de óbitos na fila de espera da CRIH; Histórico de ocupação dos leitos de UTI; Internação fora de fluxo; Internação sob mandado judicial (MJ); c) corrigir as fragilidades no sistema utilizado pela Gerência de Regulação de Internação Hospitalar que permitem a internação de paciente em leito de UTI regulado sem o prévio preenchimento da solicitação de internação; d) divulgar, no link “Transparência na Saúde” no sítio da SES/DF, os relatórios mensais de ocorrência de diárias de alta em UTIs da rede pública de saúde do Distrito Federal, incluindo leitos próprios e contratados, contendo, no mínimo, a quantidade total de diárias de alta de UTI, o valor estimado da diária de UTI e o custo total com diárias de alta de UTI, segregando as informações por unidade hospitalar, conforme diretrizes para divulgação de informação preconizadas pelos arts. 3º e 6º, inciso I, da Lei Federal nº 12.527/2011 (Lei de Acesso à Informação); II – determinar à Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal que, no prazo de 120 (cento e vinte) dias, reative os leitos de UTI atualmente bloqueados, liberando os para uso da rede de saúde pública do Distrito Federal, de modo que eventual ocorrência de bloqueio seja apenas fortuita, informando ao Tribunal, no mesmo prazo, o resultado das providências adotadas; III – determinar à Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal que, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, adote as medidas a seguir indicadas, informando ao Tribunal, de forma conclusiva, no mesmo prazo, as providências adotadas e o resultado alcançado para: a) submeter os leitos gerais aos procedimentos de regulação, com as condições necessárias correspondentes, inclusive: (i) redimensionamento da equipe de reguladores e controladores (médicos e enfermeiros); (ii) definição do fluxo de procedimentos específico para regulação de leitos gerais; b) garantir transporte inter-hospitalar tempestivo de pacientes para internação em UTI, bem como a remoção dos pacientes com alta médica da UTI, tendo em vista a baixa efetividade das ações realizadas desde as Decisões nºs 4.282/2014 e 4.281/2015; c) cumprir e fiscalizar as normas e procedimentos do processo regulatório de internação hospitalar em leito de UTI e, em caso excepcional de ocorrência de internações fora do fluxo, registrar (no mínimo data, local, hospital, responsável, motivo, etc.) e consolidar as informações para fins gerenciais, prestação de contas e aplicação de sanções, quando cabível; d) monitorar, com o objetivo de reduzi-los, os intervalos entre as seguintes etapas: i) solicitação de internação em leito de UTI; ii) priorização; iii) direcionamento do leito; iv) atendimento à solicitação de transporte inter-hospitalar, se for o caso; v) efetiva internação do paciente na UTI; vi) alta médica da UTI; vii) desocupação da UTI; e viii) próximo direcionamento para aquele leito; e) ampliar, de forma progressiva, o quantitativo de leitos de UTI habilitados junto ao Ministério da Saúde, bem como qualificar todos os leitos de UTI vinculados à Rede de Atenção às Urgências e Emergências (RUE), passíveis de recebimento do repasse diferenciado a que se refere a Portaria GM/MS nº 2.395/2011; IV – determinar à Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal que quantifique a oferta de leitos gerais e de UTI de acordo com a Portaria GM/MS nº 1.631/2015, no prazo previsto para execução de cada etapa do cronograma SES/DF apresentado no Ofício s/n GAB/SUPLANS, de 07.12.2016 (e-DOC 86CBBC46), e planeje ações para redimensionar o número de leitos gerais e de UTI, de acordo com o número de leitos calculados, com vistas a ofertar leitos gerais e de UTI em quantidade adequada ao atendimento da demanda efetiva atual e projetada; V – determinar ao Senhor Governador do Distrito Federal que, nos termos do arts. 187 e 188, § 3º, do Regimento Interno do TCDF, instaure tomada de contas especial para apurar dano ao erário decorrente da prática de ato antieconômico relativo à diárias de alta em leitos de UTI contratados, bem como definir os responsáveis e quantificar os prejuízos, para fins de ressarcimento ao erário, informando ao Tribunal, no prazo de 60 (sessenta) dias, as medidas adotadas; VI – dar ciência dos resultados da Inspeção à 2ª Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde (2ª PROSUS/DF) do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, considerando o Ofício nº 729/2015 – SEC/2ª PROSUS/DF (e-DOC A8A7E241) e Ofício nº 499/2015-SEC/2ª PROSUS/DF – MPTDFT (e-DOC 7F14CC09); VII – autorizar o retorno dos autos à SEMAG. Presidiu a sessão a Presidente, Conselheira ANILCÉIA MACHADO. Votaram os Conselheiros MANOEL DE ANDRADE, RENATO RAINHA, PAULO TADEU, PAIVA MARTINS e MÁRCIO MICHEL. Participou a representante do MPjTCDF, Procuradora MÁRCIA FARIAS. Ausente o Conselheiro INÁCIO MAGALHÃES FILHO. SALA DAS SESSÕES, 10 de Agosto de 2017

OUTROS PROCESSOS DO TCDF RELATIVOS À GESTÃO DE SAÚDE NO DF

Manutenção de equipamentos (Processo 5145/2016) – Uma das causas para a quantidade insuficiente de leitos de UTI na rede pública está na falta de manutenção dos equipamentos hospitalares, que impacta diretamente nessa disponibilidade. Uma auditoria realizada em 2016 pelo TCDF revelou que apenas 20% dos equipamentos hospitalares da rede pública estão cobertos por contratos de manutenção preventiva e corretiva, e os outros 80% não contam com manutenção adequada pela Secretaria de Saúde.

Uma visita a 11 unidades hospitalares revelou situações que chamaram a atenção dos técnicos do TCDF. No Hospital Regional da Asa Norte (HRAN), por exemplo, 11 incubadoras aguardavam há mais de um ano, num corredor, por manutenção corretiva, enquanto quatro leitos da UTI Neonatal do hospital estavam bloqueados, entre outros motivos, pela falta desse equipamento. No Hospital Regional de Santa Maria, mais de cem ventiladores pulmonares com defeito estavam guardados em um depósito, sem previsão de conserto, já que não estavam cobertos por nenhum contrato de manutenção.

Foram encontrados ainda diversos equipamentos com defeito, mesmo cobertos por contrato de manutenção. Vários deles aguardavam por manutenção corretiva há mais de 150 dias. Mesmo assim não foram encontradas justificativas das empresas contratadas ou registro da ação dos executores com objetivo de solucionar essa situação. Também foram apuradas falhas na liquidação e no pagamento de despesas contratuais. Identificou-se a cobrança indevida de serviços de manutenção preventiva de equipamentos que estavam em uso pelos pacientes ou que se encontravam com defeito há mais de 30 dias.

Em função de todas as falhas encontradas, o TCDF determinou uma série de medidas para regularizar essa situação, inclusive a revisão de pagamentos efetuados, as obrigações previstas em contrato, além da apresentação de um Plano de Ação pela Secretaria de Saúde, com providências que permitam maior controle e abrangência dos serviços de manutenção dos equipamentos (Decisão 222/2017).

Órteses e Próteses (Processo 3848/2015) – Desde 2015, o Tribunal de Contas do Distrito Federal investiga a aquisição, o armazenamento e a distribuição de órteses, próteses e materiais especiais (OPMEs) pela Secretaria de Saúde. O relatório final da auditoria realizada pelo corpo técnico revela que houve má gestão de, pelo menos, R$ 75 milhões. Na investigação – que inclusive serviu de base para a operação da Polícia Civil do DF que investigou e prendeu pessoas envolvidas na chamada “máfia das próteses” –, foram apontadas supostas fraudes nas licitações; indícios de conluio de empresas; compras em quantidade muito maior do que a necessidade da rede, sem justificativa; aquisição de materiais obsoletos e de baixa qualidade; inexistência de controle na distribuição dos materiais e armazenamento precário, entre outras irregularidades.

Medicamentos (Processos 34859/2010 e 12423/2017) – A falta de controle e de planejamento no armazenamento de medicamentos, na distribuição às unidades e dispensação aos pacientes também foi alvo de auditoria pelo TCDF.

Em relação à armazenagem, o corpo técnico detectou a falta de condições adequadas ao recebimento, preservação, segurança e controle dos produtos. Foram identificadas inadequações na recepção e na expedição, problemas na entrega e na preservação da estabilidade e segurança dos medicamentos, além de inexistência de normas para devolução e substituição adequada de produtos com risco de vencimento.

Em relação à distribuição às unidades de saúde, a auditoria mostrou a falta de infraestrutura adequada a uma distribuição tempestiva, capaz de garantir estabilidade, controle e segurança dos produtos. Foram identificadas inadequações na frota de veículos da Secretaria e limitações do sistema informatizado que prejudicam o controle da distribuição de bens.

E, na fase de fornecimento direto dos medicamentos aos pacientes, foram identificados problemas como infraestrutura e sistema informatizado inadequados, falhas na implementação do projeto da dose individualizada e ausência de protocolos clínicos para itens de média complexidade na Assistência Farmacêutica. O resultado dessa falta de planejamento e de gestão adequada em todas as etapas da assistência farmacêutica se reflete no desperdício de alguns tipos de medicamentos, enquanto há desabastecimento de outros, num claro descompasso entre a gestão e as necessidades da população.

Desde 2014, o TCDF cobra da Secretaria de Saúde que elabore Plano de Reorganização da Assistência Farmacêutica da rede pública de saúde, envolvendo a unidade central, o núcleo de medicamentos básicos, as farmácias hospitalares e as unidades básicas de saúde, para garantir eficiência às atividades de armazenagem, distribuição e dispensação de produtos de saúde, bem como atender aos padrões sanitários estabelecidos. Além disso, foi aberto novo processo (12423/17) para que o corpo técnico verifique in loco a situação atual da assistência farmacêutica.