O Brasil convive há séculos com desigualdades estruturais que atingem de forma desproporcional a população negra, expressas no racismo, na violência e na falta de oportunidades. Com esse espírito de reflexão e de reconhecimento da luta por direitos, o (TCDF), por meio da Escola de Contas (Escon), promoveu um evento de dois dias (17 e 18) em celebração ao Dia da Consciência Negra, comemorado em 20 de novembro.
Com uma programação especial com palestras, rodas de conversa, sarau e uma feira preta, o encontro foi um convite à escuta ativa, ao diálogo e à coragem de encarar um país que ainda precisa olhar para si com mais sinceridade. Ao abrir o evento, o presidente do Tribunal, conselheiro Manoel de Andrade, destacou a urgência de romper velhos silêncios. “Temos que vencer o preconceito. Precisamos ter coragem de dizer: eu não aceito esse rótulo, essa indiferença. O Brasil é feito de muitas culturas e raças”, afirmou, reforçando que reconhecer essa diversidade é parte essencial de uma democracia viva.
Na sequência, o regente da Escon, conselheiro Renato Rainha, ressaltou a combinação de conquistas e desafios que molda o debate atual. “Já avançamos muito ao tornar o racismo um crime imprescritível e inafiançável. Evoluímos com as cotas nos concursos. Mas ainda temos muito a caminhar, porque o racismo infelizmente continua muito presente na nossa sociedade”, lembrou.
Os debates tiveram início com a palestra do professor Nelson Inocêncio, da Universidade de Brasília (UnB), que resgatou a longa caminhada do movimento negro até os dias atuais. Ele lembrou que as conquistas de agora nasceram de vozes que insistiram em falar mesmo quando poucos estavam dispostos a ouvir.
Nelson traçou um percurso que atravessa séculos, do tráfico atlântico às rebeliões escravistas, do ativismo do século XX à criação de entidades negras no Distrito Federal. Destacou ainda o papel da UnB na formulação das cotas raciais e relembrou momentos de tensão, como as pichações racistas de 1987, que obrigaram a universidade a dialogar com o movimento negro e promover mudanças profundas.
Além dele, a mestre Maria Luiza Júnior, servidora do Banco Central e fundadora do Movimento Negro Unificado (MNU), lembrou que a população negra, apesar de essencial à formação do país, só entrou tardiamente na disputa por direitos por causa da escravidão e do abandono pós-abolição. Ao relembrar a criação do MNU, em 1978, explicou como o movimento precisou se reorganizar após a recusa de aliados em apoiar um ato contra a violência policial, um episódio que revela por que a equidade ainda avança lentamente.
Uma roda de conversa com Fernanda Cordeiro, coordenadora de Diversidade e Inclusão da Advocacia-Geral da União (AGU), e o defensor público Fabrício Rodrigues destacou que políticas como as cotas e o reconhecimento institucional do racismo só existem graças à persistência histórica do movimento negro. Ambos reforçaram que os próximos avanços dependem de políticas mais profundas, da revisão de currículos e da ampliação da presença negra nos espaços onde se decide o futuro.
Fernanda apresentou as iniciativas da AGU em parceria com o Ministério da Igualdade Racial e destacou o Programa Esperança Garcia, que oferece curso preparatório e bolsas para pessoas negras interessadas na advocacia pública. Ela também falou sobre o JurisRacial, plataforma que reúne legislações e normas ligadas ao combate ao racismo. “Políticas públicas não são feitas de portas fechadas. Devem ser construídas junto com as pessoas, porque são para elas”, enfatizou.
Fabrício apresentou as iniciativas que a Defensoria Pública do Distrito Federal vem implantando internamente, como o curso Elementos Socio-Históricos do Racismo; o Laboratório Júnior, formado majoritariamente por estagiários negros; o Protocolo de Práticas Antirracistas, em elaboração; e o censo racial institucional. A combinação das duas falas evidenciou que o enfrentamento ao racismo institucional exige formação contínua, diagnóstico preciso e mudanças concretas nas rotinas de trabalho.
O evento do TCDF lembrou que as marcas do racismo ainda persistem, mas também revelou a força de quem, dia após dia, trabalha para superá-las. As falas, debates e relatos mostraram que os avanços conquistados não foram fruto do acaso, e sim de organização, enfrentamento e de políticas que abriram caminho para uma sociedade mais justa. Embora muito já tenha sido alcançado, a travessia ainda não chegou ao fim.
Confira as fotos do evento no link: https://drive.google.com/drive/folders/1zXPiFY7tAKqlSo_gz8P68Efdi8EWuAft?usp=sharing





